São Paulo, segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

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JOÃO SAYAD

Google

Nos Estados Unidos é proibido fumar em quase todos os lugares. Na França, fumar é quase obrigatório. O francês é a negação do americano. E vice-versa.
Na semana passada, o "Financial Times" fez ironias a respeito da decisão do presidente Chirac de investir em novo sistema de pesquisa, que concorrerá com o Google. "Já existe um Google francês, o Google.com.fr." O sistema será especializado em vídeos e fotos. A gozação do jornal está dirigida ao caráter estatal do projeto. E ao fato de ser francês.
A França foi pioneira no lançamento de uma rede digital, a minitel, anterior à internet. Por outro lado, a própria internet começou nas forças armadas americanas, isto é, como investimento público.
Muitas investimentos pioneiros começam como públicos porque os lucros sociais são muito maiores que os privados. E os lucros privados não justificariam o investimento.
O caráter público dos investimentos depende das características da economia onde se realizam. A Google é um investimento privado nos Estados Unidos depois que a internet apareceu. A França, exatamente por seu atraso relativo nesse setor, talvez precise de uma Google estatal, que pode ser bem-sucedido ou não.
No século 19, nas economias "relativamente atrasadas", como França, Itália, Alemanha e Rússia, o Estado ou grandes bancos associados ao Estado foram os grandes investidores ou financiadores do desenvolvimento industrial.
O mesmo se aplica ao Brasil do século 20. A Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobras e a Embraer, por exemplo, começaram como empresas estatais porque atuavam em setores que, para nós, eram de tecnologia de ponta e em uma economia ainda pouco industrializada. Mais tarde, puderam ser privatizadas. Hoje, os investimentos públicos são necessários em outras atividades.
Nos Estados Unidos, país da liberdade individual, a Google está sendo processada por não fornecer informações confidenciais sobre os usuários para facilitar investigações policiais. Ao mesmo tempo, o governo é acusado de fazer espionagem doméstica.
A Google desenvolveu um programa espetacular, o Google Earth, que permite ver a Terra como se estivéssemos numa nave espacial versátil, que viaja à altura de um satélite, de um avião de carreira ou mesmo de um helicóptero. Voando baixo sobre as cidades mais importantes, podemos até reconhecer a própria casa, o jardim e as árvores.
Não existe uma distância certa para ver as imagens. De muito perto, as fotos viram um mosaico incompreensível de quadradinhos (pixels) coloridos. De longe, um mapa escolar convencional. De longe, os franceses são estatizantes, e os Estados Unidos, o paraíso da liberdade. De perto, é impossível concluir.
O Brasil, de muito perto, é incompreensível -uma profusão de notícias sobre corrupção. De longe, um problema exótico de macroeconomia. A melhor distância para analisar é a do artista. Distante o suficiente para ser conceitual -quadro, música ou filme. E suficientemente próxima para emocionar, como nos emocionam as coisas que amamos.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net


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