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JOÃO SAYAD
Google
Nos Estados Unidos é proibido
fumar em quase todos os lugares.
Na França, fumar é quase obrigatório.
O francês é a negação do americano. E
vice-versa.
Na semana passada, o "Financial Times" fez ironias a respeito da decisão
do presidente Chirac de investir em
novo sistema de pesquisa, que concorrerá com o Google. "Já existe um
Google francês, o Google.com.fr." O
sistema será especializado em vídeos e
fotos. A gozação do jornal está dirigida ao caráter estatal do projeto. E ao
fato de ser francês.
A França foi pioneira no lançamento
de uma rede digital, a minitel, anterior
à internet. Por outro lado, a própria
internet começou nas forças armadas
americanas, isto é, como investimento
público.
Muitas investimentos pioneiros começam como públicos porque os lucros sociais são muito maiores que os
privados. E os lucros privados não justificariam o investimento.
O caráter público dos investimentos
depende das características da economia onde se realizam. A Google é um
investimento privado nos Estados
Unidos depois que a internet apareceu. A França, exatamente por seu
atraso relativo nesse setor, talvez precise de uma Google estatal, que pode
ser bem-sucedido ou não.
No século 19, nas economias "relativamente atrasadas", como França,
Itália, Alemanha e Rússia, o Estado ou
grandes bancos associados ao Estado
foram os grandes investidores ou financiadores do desenvolvimento industrial.
O mesmo se aplica ao Brasil do século 20. A Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobras e a Embraer, por
exemplo, começaram como empresas
estatais porque atuavam em setores
que, para nós, eram de tecnologia de
ponta e em uma economia ainda pouco industrializada. Mais tarde, puderam ser privatizadas. Hoje, os investimentos públicos são necessários em
outras atividades.
Nos Estados Unidos, país da liberdade individual, a Google está sendo
processada por não fornecer informações confidenciais sobre os usuários
para facilitar investigações policiais.
Ao mesmo tempo, o governo é acusado de fazer espionagem doméstica.
A Google desenvolveu um programa espetacular, o Google Earth, que
permite ver a Terra como se estivéssemos numa nave espacial versátil, que
viaja à altura de um satélite, de um
avião de carreira ou mesmo de um helicóptero. Voando baixo sobre as cidades mais importantes, podemos até
reconhecer a própria casa, o jardim e
as árvores.
Não existe uma distância certa para
ver as imagens. De muito perto, as fotos viram um mosaico incompreensível de quadradinhos (pixels) coloridos. De longe, um mapa escolar convencional. De longe, os franceses são
estatizantes, e os Estados Unidos, o
paraíso da liberdade. De perto, é impossível concluir.
O Brasil, de muito perto, é incompreensível -uma profusão de notícias sobre corrupção. De longe, um
problema exótico de macroeconomia.
A melhor distância para analisar é a
do artista. Distante o suficiente para
ser conceitual -quadro, música ou
filme. E suficientemente próxima para
emocionar, como nos emocionam as
coisas que amamos.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net
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