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JOSÉ SERRA
Além da folia
Muitas pessoas não gostam de
Carnaval. Fogem do barulho,
condenam os excessos, preferem
aproveitar os dias de folga para repousar. Há também quem critique os novos ritmos ou as novas modalidades
da festa com uma certa nostalgia, como se o antigo entrudo pudesse ter-se
transformado no moderno Carnaval
sem passar pelas mudanças características de cada época. Não falta, ainda, quem estranhe a diversidade regional, como se a mesmice fosse uma
virtude e a inventividade popular devesse ser comprimida num espartilho.
Mas a maioria dos brasileiros, alheia
à essas reflexões ou mesmo censuras,
aguarda o Carnaval com ansiedade e
cai na folia com gosto nas ruas ou nos
salões, nos desfiles organizados ou
nos blocos improvisados, ao som de
sambas, marchas, frevos, maracatus,
enfim, dos mais variados ritmos. O
Carnaval, com todas as suas mudanças, continua sendo a grande festa nacional e popular do Brasil.
Uma festa que demonstra a capacidade do povo brasileiro, em meio a
tantas vicissitudes, de não perder a
alegria nem a esperança. E que até
aproveita os enredos, as canções e as
fantasias para fustigar, com verve e
malandragem, os males que o apoquentam.
O Carnaval mostra também a capacidade de organização e o talento criativo do povo. Os desfiles do Rio de Janeiro e de São Paulo são espetáculos
coreográfico-musicais sem paralelo
no mundo. Aquela capacidade se revela também na alegria espontânea
que toma conta das ruas de Recife e de
Olinda, por exemplo, ou no orgulho
com que os grupos afro-brasileiros
desfilam em Salvador, ou mesmo nas
brincadeiras mais despojadas das pequenas cidades do interior. Não há carência de recursos que não seja contornada com inventividade e união. E,
na aparente fuzarca, uma organização
insuspeitada canaliza as energias.
Mas a folia carnavalesca traz à tona
outras potencialidades que ainda não
receberam a atenção devida. A preparação e a realização da festa dinamizam o mercado de empregos, abrindo
oportunidades para trabalhos intelectuais, artesanais e gerenciais que seriam desperdiçadas sem os afazeres
que se escondem por trás do festejo.
Os efeitos dinamizadores se estendem
às empresas de transporte, aos hotéis,
aos bares, aos fornecedores de alimentos e bebidas e às manufaturas de plástico e luminárias, para indicar alguns
exemplos. O maior impacto ocorre
nas vizinhanças do Carnaval, mas
uma parte dos efeitos se prolonga pelo
ano inteiro. Muitos países bem que
gostariam de abrigar uma festa com
tanto potencial dinamizador e turístico como o carnaval brasileiro num século que terá, como uma das grandes
fronteiras de expansão econômica, a
indústria cultural e de lazer.
Além disso, as entidades populares
formadas em torno do Carnaval, como as escolas de samba e os grandes
blocos, podem também desempenhar
um papel importante como pólos culturais e aglutinadores em suas comunidades. Isso já vem ocorrendo com o
desenvolvimento de projetos educativos e esportivos por escolas de samba,
como a Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro, e a Rosas de Ouro, em São Paulo, e por blocos, como o
Olodum, em Salvador. Mas essas experiências poderiam ser multiplicadas.
Quando se fala tanto em acelerar o
crescimento da economia, em gerar
empregos e em redistribuir renda e
cultura, vale a pena lembrar que o carnaval brasileiro pode oferecer muito
mais do que três dias de arrebatamento e descontração, aliás, merecidos.
José Serra escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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