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CARLOS HEITOR CONY
O pequeno príncipe
RIO DE JANEIRO - Podia ter sido melhor ou pior, mas era importante pra
burro. Tanto que os jornais, sem exceção, grandes, pequenos ou mais
menos, tinham um cara especializado na festa, dando tempo integral
durante o ano todo, permanentemente antenado com o Carnaval que
havia passado e com o Carnaval do
ano seguinte.
É evidente que, na época do pique,
ou seja, durante o próprio Carnaval,
ele se transformava num imperador,
num Petrônio Árbitro, num personagem transcendental do qual todos dependiam, o jornal em particular, a cidade inteira no geral.
Conheci os escombros dessa era e
fui amigo de alguns desses seres míticos, que sabiam tudo sobre as músicas e os enredos das grandes sociedades (que eram os blocos daquele tempo) e, sobretudo, tinham acesso fácil
aos segredos difíceis sobre bailes clandestinos e farras igualmente clandestinas.
Todos usavam um pseudônimo extravagante. Havia o K.Peta, o K.Rapeta, o K.Noa, o Peru dos Pés Frios,
um dos mais deliciosos apelidos da
história universal. E havia o mais famoso deles, o A.Zul, que se chamava
Arthaligídio Agostinho da Luz e entrou num romance que escrevi por aí,
tentando penetrar na quase memória de um menino triste que se tornou
num homem mais triste ainda.
Era magro, elegante, usava piteira
para fumar o cigarro "Yolanda
ovais". Parece que havia sido tísico,
doença comum daquele tempo. Num
Carnaval distante, o pai me deixou
com ele na Redação do "Jornal do
Brasil". Era em frente ao prédio mais
notável da avenida que os blocos faziam evoluções. A.Zul era o Adão que
dava nome às coisas, todos faziam
tudo para deslumbrá-lo.
Naquele ano, A.Zul me botou no
colo e me levou para a sacada de onde mandava chover ou fazer sol. Eu
me senti um delfim, um príncipe infante com direito à sucessão. Foi o
instante em que mais perto me senti
do poder, o poder que faz o povo parecer feliz.
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