São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

O pau e o gato

RIO DE JANEIRO - Já haviam me dito, mas não acreditei. Ou melhor, não dei importância. A turma que se esbofa para tornar a sociedade politicamente correta, que mudou a designação de mudos, surdos, cegos, impotentes, homossexuais, carecas, gagos etc., finalmente chegava ao cancioneiro infantil, às cantigas de roda. Não se devia mais cantar o "Atirei o pau no gato", seria politicamente incorreto habituar as crianças a maltratar os animais.
Numa festinha de aniversário do prédio vizinho, ouvi de longe a versão feita para a musiquinha que todos aprendemos na infância. Não deu para entender quase nada. Não mais se atirava o pau no gato nem dona Chica admirou-se do berro que o gato deu.
Era uma coisa complicada, peguei palavras que nada tinham com a letra original, o pau foi substituído por uma flor e o berro final foi trocado civilizadamente: em vez de "berro" o gato dizia "obrigado".
Dona Chica compareceu sob a espécie de uma respeitável, uma inacreditável "Dona Francisca". E ela nem ficou admirada do berro que o gato não deu, berro substituído por uma flor que ela agradeceu penhorada.
Embora pertença a uma geração que cantou para si e para as filhas a mesmíssima cantiga, Deus é testemunha de que ainda não consta dos meus hábitos jogar pau nos gatos.
E uma de minhas filhas, que mora em Roma, cidade onde os gatos são fartos, tem em casa uma porção deles e os trata com rações dinamarquesas -que parecem ser as melhores.
Se já tinha motivos bastantes para desprezar o politicamente correto, ganhei mais um -e acredito que definitivo. Gosto de ouvir gatos fazendo miau, pedindo leite e carinho.


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