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CARLOS HEITOR CONY
O pau e o gato
RIO DE JANEIRO - Já haviam
me dito, mas não acreditei. Ou melhor, não dei importância. A turma
que se esbofa para tornar a sociedade politicamente correta, que mudou a designação de mudos, surdos,
cegos, impotentes, homossexuais,
carecas, gagos etc., finalmente chegava ao cancioneiro infantil, às cantigas de roda. Não se devia mais
cantar o "Atirei o pau no gato", seria
politicamente incorreto habituar as
crianças a maltratar os animais.
Numa festinha de aniversário do
prédio vizinho, ouvi de longe a versão feita para a musiquinha que todos aprendemos na infância. Não
deu para entender quase nada. Não
mais se atirava o pau no gato nem
dona Chica admirou-se do berro
que o gato deu.
Era uma coisa complicada, peguei palavras que nada tinham com
a letra original, o pau foi substituído
por uma flor e o berro final foi trocado civilizadamente: em vez de
"berro" o gato dizia "obrigado".
Dona Chica compareceu sob a espécie de uma respeitável, uma inacreditável "Dona Francisca". E ela
nem ficou admirada do berro que o
gato não deu, berro substituído por
uma flor que ela agradeceu penhorada.
Embora pertença a uma geração
que cantou para si e para as filhas a
mesmíssima cantiga, Deus é testemunha de que ainda não consta dos
meus hábitos jogar pau nos gatos.
E uma de minhas filhas, que mora
em Roma, cidade onde os gatos são
fartos, tem em casa uma porção deles e os trata com rações dinamarquesas -que parecem ser as melhores.
Se já tinha motivos bastantes para desprezar o politicamente correto, ganhei mais um -e acredito que
definitivo. Gosto de ouvir gatos fazendo miau, pedindo leite e carinho.
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