São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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Vexame na educação


Estamos plenamente convencidos de que a educação à distância é um instrumento de grandes potencialidades
ARNALDO NISKIER

A lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) foi coerente ao estimar que, em situações de emergência, a educação à distância poderia ser utilizada como recurso para ampliar oportunidades de acesso à escola fundamental.
Objetivamente, o artigo 32, parágrafo 4º, afirma que "o ensino fundamental será presencial, sendo o ensino à distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais".
A modalidade de educação à distância é também prestigiada quando, no artigo 80, aparece a seguinte redação: "O poder público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino à distância, em todos os níveis e modalidades de ensino e de educação continuada". Diz-se adiante que "os municípios, os Estados e a União deverão prover cursos presenciais ou à distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados".
Não há como negar que, oficialmente, a modalidade foi bastante lembrada pelo legislador. Ela é citada nove vezes na LDB, o que aconteceu pela primeira vez numa lei brasileira. Demonstra-se, assim, o reconhecimento da sua importância e a vontade política da sua implementação.
É claro que da teoria à prática sempre existe um longo caminho. Estamos vivendo desde 1997 a "década da educação", mas nem por isso se pode comemorar a obtenção de resultados apreciáveis no atendimento às questões educacionais.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) divulgou em abril de 1998 um relatório, intitulado "Futuro em risco", que nos enche de vergonha. O Brasil figura numa situação deplorável, se considerado o desempenho dos seus alunos: em matéria de reprovação na 1ª série da rede pública fundamental, por exemplo, estamos longe da média da América Latina (42%). Nosso índice é de 53%, enquanto no Chile é de 10% e na Argentina, de 33%. Ficamos ao lado de Honduras, El Salvador, Guatemala e Haiti. Bela companhia, não é?
Só 1% dos alunos brasileiros conseguem completar a 6ª série sem repetir um único ano, taxa só comparável à do Haiti. A média na região é de 10%.
Com esses índices, a que se deve agregar o número de analfabetos adultos (acima de 15 anos), que entre nós alcança a apreciável cifra de 19 milhões, pode-se inferir o risco que corremos de, no futuro, perder feio a competição com nações mais desenvolvidas.
Tanto mais que elas investem por aluno/ano na educação básica cerca de US$ 4.170, enquanto na América Latina esse número, lamentavelmente, não passa de US$ 252. Como reduzir o fosso do progresso com tais disparidades?
Para modificar esse quadro, somente discursos não são suficientes. Enquanto os números do vexame são divulgados, os professores da rede pública do Rio de Janeiro (uma das três maiores do país) fizeram uma greve de 43 dias por melhores salários. O recém-criado Fundo de Valorização do Magistério não os alcançou, gerando uma falsa expectativa de remuneração condigna.
O mesmo acontece com quase todas as universidades federais. Os seus professores não conhecem nenhuma melhoria salarial há quatro anos, estando com os salários fortemente defasados.
Panacéias, como o Plano de Incentivo à Docência, de repercussão negativa, são oferecidas a parte do magistério, como se fosse possível agradar a parcelas, esquecendo o todo. Não se tem uma solução global compatível com a magnitude e a delicadeza do problema.
Enquanto os recursos humanos são tratados dessa forma, espera-se que certas inovações, como é o caso da educação à distância (que a LDB por vezes chama, equivocadamente, de ensino à distância), possam servir de pronto-socorro pedagógico aos muitos anos de equívocos e desleixos com que a educação brasileira tem sido cuidada.
Já dispomos de satélites, computadores, Internet e outros recursos oriundos de uma certa competência na área das telecomunicações e da eletrônica. O que falta é a decisão política de começar a obedecer aos dispositivos de lei, o que parece ser uma dificuldade aparentemente intransponível.
A União deve regulamentar o que deseja em matéria de credenciamento e registro de diplomas, mas não encontra um denominador comum, mesmo tendo procurado a simplificação com a indesculpável eliminação da pós-graduação de todo esse processo.
Os países desenvolvidos utilizam a modalidade na pós-graduação. Assim, aperfeiçoam ainda mais os seus recursos humanos. Aqui, como somos formidáveis em tudo, para que isso?
Estamos plenamente convencidos de que a educação à distância é um instrumento de grandes potencialidades para fazer justiça social, eliminando disparidades pedagógicas, atraindo mais jovens e crianças para a escola e dando-lhes o que hoje falta de forma ostensiva: a garantia de um mínimo de qualidade na relação ensino-aprendizagem.

Arnaldo Niskier, 62, escritor e professor, é presidente da Academia Brasileira de Letras. Foi secretário estadual de Educação e Cultura do Rio de Janeiro (1979 a 83).



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