São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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Uma menininha


As mulheres deste fim de século estão preparadas para exercer funções de chefia. Não têm mais medo de cara feia
MARTA SUPLICY

Em discurso na cidade de Casa Branca (265 quilômetros ao norte de São Paulo), no início da semana passada, o governador Mário Covas disse que disputa a eleição com um "morto", o "homem do frango" e uma "menininha do PT".
Sem entrar no mérito dos adjetivos aos concorrentes, o governador (que se esqueceu do candidato Francisco Rossi), na ânsia de desqualificar a candidatura que mais lhe tira o sono, desqualifica todas as mulheres. Exatamente o eleitorado que precisa cativar, visto que não tem a preferência feminina.
Mas Covas pisa no tomateiro inteiro quando trata de forma pejorativa uma deputada federal de seu Estado que tem 53 anos, nove livros publicados, considerada pelo Diap um dos cem parlamentares mais influentes do Congresso Nacional e que tem a "ousadia" de disputar o seu cargo.
Provavelmente por não perceber o desrespeito que comete contra as mulheres quando tenta atingir uma que reconhecidamente luta pelos direitos da mulher brasileira há décadas, o governador exibe seu enrustido machismo.
Mesmo que nomeie mulheres para seu secretariado, no fundo do coração, ainda deve pensar que lugar de mulher é na cozinha -e, quanto às que ascendem a algum cargo importante, "é bom parar por aí mesmo" e não se meter a competir com "velhos e experientes políticos".
O calejado político não entendeu que, após tantos séculos de alijamento do poder, cuidando da casa, dos idosos, dos doentes, da família, cobrindo falhas das políticas sociais do Estado, construindo o desenvolvimento, as mulheres neste final de século estão preparadas para exercer funções de responsabilidade e chefia. Não têm mais medo de cara feia e querem disputar o poder.
Para quê? Não para exercê-lo de forma autoritária, como ocorreu com o processo de municipalização da educação nas mãos de uma mulher burocrata; não para fazer dos números prioridades exibidas como mais importantes do que as pessoas, nos "saneamentos" mostrados como bandeira de boa administração.
Não queremos poder político para destinar somente 5,25% dos recursos do Orçamento para a saúde (quando, nos últimos governos, o percentual chegou a 9%). Nem para construir casas que sofram denúncias quanto à lisura de suas contas (CDHU). Nem para submeter as pessoas à humilhação de comparecer a sorteios para poder ter habitação ou vaga escolar. Muito menos para nos acharmos todo-poderosas e desprezar a força das bancadas estaduais, federais e de prefeitos visando evitar a privatização do Banespa.
Também não queremos o poder para deixar de ousar na criação de empregos num momento tão difícil. Nem para privatizar, a preços baixos e sem proteção aos consumidores, um patrimônio que presta serviços básicos.
Não queremos poder para construir um pedágio em cada trecho de menos de cem quilômetros rodados, em estradas privatizadas, sem compromisso de aumentar o investimento na conservação dessas rodovias. Nem para esquecer a proposição de uma política agrícola para o Estado, para manter um ritmo aquém do necessário na reforma agrária e para deixar o Rodoanel na gaveta. Muito menos para ser governantes indecisos, cuja palavra não resiste ao jogo de interesses de grupos.
Senhor governador, as mulheres querem importantes cargos políticos e estão concorrendo a eles, com a esperança e os sonhos das meninas que um dia foram; com a energia e a criatividade com que sempre cuidamos de nossas famílias, da comunidade e de nossa atividade profissional; com a disposição de construir um mundo mais justo e humano (o que até hoje não conseguimos); com a garra com que participamos de movimentos organizados em nosso país (contra a carestia, por creches, pela anistia, por água, saneamento, saúde e direitos humanos).
Além disso, temos a capacidade de ouvir e de superar as desavenças, pela grande preocupação com os rumos que toma nossa juventude. E uma enorme vontade de desenvolver políticas sociais com prioridade.
É por isso, experiente senhor governador, que o PT lançou esta mulher como candidata ao governo paulista. Por acreditar que numa época de globalização, em que o conhecimento é cada vez mais especializado, o preparo para administrar um Estado do porte do nosso está na capacidade de escolher e dirigir uma equipe eficiente e preparada, de ter claras as prioridades, de enfrentar pressões e brigar pelo que se considera que deve ser feito, de tomar decisões e, principalmente, de ter ética.
São características que a "menininha" do PT tem de sobra. Ela quer ter, agora, a vez de demonstrar isso como governadora.

Marta Suplicy, 53, psicanalista, é deputada federal pelo PT de São Paulo, vice-líder do partido e membro da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados.



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