São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2000


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PELA UNIVERSIDADE PÚBLICA

Dada a biografia do presidente da República, parece difícil acreditar que esteja em curso uma política deliberada de destruição da universidade pública. O fato é que, se houvesse, seus resultados dificilmente superariam o triste sucateamento a que se assiste hoje. E, por qualquer ângulo que se considere, não é desejável para o país que as universidades públicas se deteriorem.
Para ficar apenas em números que impressionam, elas respondem por mais de 90% da produção científica do Brasil, segundo as agências de fomento à pesquisa. As três universidades estaduais paulistas -USP, Unicamp e Unesp-, que no dia 25 completam um mês de greve, respondem por 50% da pesquisa nacional.
É claro que alguém poderia argumentar que, diante da produção de nações como os EUA, o que se faz de ciência aqui é muito pouco. Isso certamente é verdade, mas há que considerar que, nuns poucos nichos, o Brasil é competitivo e que, em outras áreas, se o país não desenvolver estudos próprios, ninguém o fará. É o caso, por exemplo, de todas as ciências humanas aplicadas ao Brasil e também do combate a doenças e pragas agrícolas que afetam mais o país. Além disso, existe toda uma produção, em filosofia e letras, por exemplo, que não encontra tradução em aplicações imediatas.
De resto, é consenso que a inserção futura do Brasil no mundo depende diretamente da qualidade de seus quadros de nível superior.
E a universidade pública está definhando. O sintoma mais evidente é a evasão de cérebros. Nas universidades paulistas, um professor-doutor com dedicação exclusiva ingressando na carreira ganha R$ 2.930 brutos. Trata-se de uma quantia insuficiente e muito abaixo do mercado para pessoas com essa qualificação.
A resposta mais óbvia para a atual crise seria remunerar o professor da universidade pública com valores compatíveis com os praticados no mercado. Isso não é tão simples. As estaduais paulistas gozam da autonomia universitária, como consta da Constituição de 1988. Dividem entre si uma fatia de quase 10% da parcela estadual da arrecadação do ICMS em São Paulo. Pelas previsões deste ano, devem ficar com R$ 1,97 bilhão.
É uma quantia bastante considerável. O problema é que entre 80% e 90% dessa verba é consumida com a folha de pagamentos. Para agravar, o peso dos servidores inativos vem crescendo significativamente. Na Unesp, por exemplo, entre 1996 e 1999, a participação dos aposentados na folha subiu de 17% para 26%, um aumento de quase 53%. Como nem sempre as vagas abertas são prontamente preenchidas, o peso dos ativos caiu 11% no mesmo período. O resultado é que já há casos, nas estaduais paulistas, de cursos com 130 alunos, o que contraria todos os princípios pedagógicos conhecidos.
Quando a autonomia universitária paulista foi regulamentada, em 89, os 8,4% do ICMS de então foram considerados uma vitória para a universidade. Hoje, parece incrível que a "intelligentsia" não tenha dado a devida dimensão ao enorme problema que viria com a transferência do pagamento de inativos do Estado para a própria universidade. Isso levanta dúvidas quanto à capacidade administrativa dos responsáveis.
O fato, porém, é que a universidade pública não pode definhar. A proposta de aumentar a fatia das universidades no ICMS é complicada diante dos demais compromissos com que o Estado tem de arcar. Pior, se não for acompanhada de uma reestruturação da carreira dentro de um sistema auto-sustentável, significará apenas o adiamento do problema para um futuro próximo.
O momento é delicado. É hora de todas as esferas envolvidas se sentarem para acertar uma solução. Sem dúvida haverá custos para o poder público, mas é preciso fazer uma transição para um sistema viável. Como contrapartida, as universidades devem fazer esforços para combater a cultura do desperdício e da ineficiência, que ainda é forte.
O fato inconteste é que, sem uma universidade pública digna deste nome, o Brasil dificilmente chegará ao fim das próximas décadas na posição com que todos sonhamos.


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