São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2000


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O reajuste possível


Os reitores continuam dispostos à negociação, seja com base na proposta aqui mencionada, seja em contrapropostas


HERMANO TAVARES

Não pagar salários compatíveis aos docentes e funcionários das universidades públicas paulistas, ora em greve por melhoria salarial, é um convite ao desmonte de um sistema de excelência construído ao longo de muitas décadas. USP, Unesp e Unicamp estão entre as melhores universidades do país em ensino de graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão. Formamos hoje mais da metade dos doutores e quase uma terça parte dos mestres em todo o país e respondemos por metade da pesquisa científica e tecnológica. Mas os nossos salários estão aquém do aceitável em relação às nossas atividades acadêmicas.
Tais salários, porém, estão limitados por um modelo de financiamento adotado há mais de dez anos. Desde a conquista da autonomia de gestão financeira, em 1989, nosso custeio provém de uma parcela de 9,57% da quota-parte do Estado de São Paulo na arrecadação do ICMS. Do montante de recursos, as universidades retiram uma parcela menor para o seu custeio, destinando a maior parte aos salários dos servidores ativos e inativos. Com a vigência da autonomia, as universidades passaram a arcar com a folha de inativos.
A questão central da campanha salarial é o reajuste possível. Em princípio, o montante de recursos seria fixo e preestabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mas devem ser garantidos, ao mesmo tempo, os recursos mínimos para que o funcionamento das universidades não seja prejudicado.
A pergunta é, então, quanto o Estado de São Paulo vai arrecadar este ano de ICMS, já que os orçamentos das três universidades, assim como os de quaisquer outros órgãos públicos, são estabelecidos com base em previsões oficiais da arrecadação feitas pelo governo. Essas previsões, porém, são ou não confirmadas ao fim de cada ano. Como a negociação é feita na data-base (maio), o montante final de arrecadação é incerto, bem como o limite do reajuste.
Os reitores continuam dispostos à negociação, mas dentro desses limites, pois, caso as previsões de arrecadação não correspondam à realidade a ser verificada em dezembro, restam duas alternativas: ou não se pagam compromissos já assumidos ou deixa-se de honrar os salários dos servidores.
A proposta feita pelos reitores às entidades sindicais envolve reajuste e abono (já concedidos a partir de abril) que representam um aumento de 10,75%, em resposta a um pedido das entidades de 25% de reajuste em maio. Além disso, estabelece uma política salarial que contempla o acompanhamento mensal, por parte de uma comissão mista das reitorias e entidades sindicais, da arrecadação do ICMS nos meses restantes do ano, que encaminharia propostas de recuperação dos salários com base em recursos do ICMS arrecadados a mais.
Isso contempla a antiga reivindicação de uma política salarial realista, pois baseada na arrecadação real e não em previsões. A proposta contempla ainda duas questões de importância fundamental para a manutenção das universidades públicas paulistas enquanto instituições acadêmicas de ponta: a isonomia de salários e a paridade de proventos entre ativos e inativos.
Sem a isonomia de salários entre as três universidades, dificilmente teríamos conseguido o elevado grau de desenvolvimento nas nossas atividades. Não basta, porém, atermo-nos apenas à luta pela isonomia, mas também caminhar no sentido da elevação dos atuais patamares salariais. Abrir mão disso representaria um enfraquecimento das instituições públicas de ensino superior diante das pressões privativistas, cada vez mais presentes e atuantes, estimulando a fuga de docentes qualificados.
A manutenção da paridade dos proventos entre ativos e inativos, por sua vez, também é importante, pois constitui fator compensatório para os salários historicamente menores praticados em comparação com o setor privado. O outro motivo é a manutenção das regras do jogo, pois, quando nossos docentes optaram pela carreira acadêmica, há pelo menos três décadas, assim o fizeram na expectativa de alguma compensação, na aposentadoria, pelos salários menores recebidos durante toda a sua vida profissional.
É, portanto, questão de justiça, já que uma parcela expressiva dos docentes que se aposentam permanece trabalhando voluntariamente na universidade, sem nenhum custo adicional.
Os reitores continuam dispostos à negociação, quer seja com base na proposta aqui mencionada, quer em contrapropostas apresentadas pelas entidades sindicais que levem em consideração os limites que aqui procuramos expor. A greve traz prejuízos tanto para a comunidade interna como para a sociedade como um todo, e cabe-nos o máximo empenho em buscar o seu fim.
Urge superar o impasse e estabelecer o diálogo, para que a instituição universitária saia fortalecida, sua comunidade se mantenha unida e continue a contar com o apoio da sociedade na luta comum em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade.


Hermano Tavares, 58, engenheiro eletrônico, é reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).



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