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São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O auditório do Ibirapuera

OSCAR NIEMEYER


Não basta que o arquiteto saia da faculdade como um ótimo profissional, mas sim como um homem consciente deste mundo


Há muito tempo tentamos influir no ensino da arquitetura. Para nós, não basta que o arquiteto saia da faculdade como um ótimo profissional, mas sim como um homem consciente deste mundo injusto que o espera, e do qual vai ter que participar. Para isso, propomos que palestras paralelas sobre filosofia, história e literatura sejam incluídas no currículo, garantindo ao arquiteto uma posição mais ampla e inteligente sobre os problemas inevitáveis que ocorrerão. Certos de que a vida é mais importante do que a arquitetura.
É com a maior tranquilidade que vamos enfrentando as dificuldades que a profissão oferece, prontos a discutir os obstáculos que surgem, desde que não interfiram nos princípios que adotamos em arquitetura.
Afinal, ela nos ocupa, debruçados na prancheta, a vida inteira, emocionados, quando vemos surgir na folha branca de papel um palácio, uma catedral, um desenho de mulher. Mas, quando um novo obstáculo aparece e foge dos assuntos da arquitetura propriamente dita, e, perverso e insidioso, interfere em nossos trabalho, aí, como acontece agora com relação ao auditório que projetamos para o parque Ibirapuera, somos obrigados a reagir e, a contragosto, intervir nesse clima que detestamos.
Não foi surpresa. Já estamos acostumados a isso. Mas tentar impedir a construção desse auditório projetado há 50 anos é demais.
Será que o parque Ibirapuera, o centro de artes mais importante da América Latina, merece tanto desprezo? Será que o Estado de São Paulo, o mais rico deste país, não tem condições de o construir e vai deixar aquela cúpula que desenhei solta, como coisa inútil e secundária, sem o auditório que com ela compõe a entrada do parque? Será que a inveja, a ignorância ou coisa pior explicam o que está ocorrendo? Será que o problema apresentado da redução ínfima da área permeável, que a modificação dos caminhos internos do parque vai mais que compensar, justifica tamanha celeuma, obrigando-me a participar nesse ambiente de tanta mediocridade?
Infelizmente é o que está acontecendo, apesar do apoio que a prefeita Marta Suplicy vem dando à construção do auditório e da decisão da firma TIM de financiar essa obra tão importante para a cidade de São Paulo.
O que fazer? Talvez mostrar estes dois desenhos que elaborei. Um com a praça inacabada, a marquise incompleta, a cúpula de lado, sem o auditório que a deveria completar. O outro com o auditório construído, e a arquitetura a se destacar, pela pureza e unidade desejadas.
O povo de São Paulo, como qualquer outro, saberá compreender o que ocorre e se manifestar.



Oscar Niemeyer, 93, arquiteto, é um dos criadores de Brasília. Tem obras edificadas na Alemanha, Argélia, EUA, França, Israel, Itália, Líbano e Portugal, entre outros países.


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