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São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 2003

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A sociedade da confiança

MARCELO TAKAOKA



No Oriente, o número de processos e advogados é muito menor do que no Ocidente, pois é a sociedade que julga


Acredito que as culturas mais antigas têm muito que nos ensinar, principalmente aquelas que trazem o conhecimento de comunidades que existem há milênios, como a oriental.
Como exemplo de um sistema de organização comunitária, pode-se pensar no caso japonês, que se autofiscaliza, ou seja, a responsabilidade pela segurança da comunidade é da própria comunidade, e não do governo. Nesse caso, o governo atua apenas como instrumento de força e organizador da vontade da comunidade.
No Japão, há uma organização informal que busca conhecer a origem, o caráter e a personalidade de cada morador do bairro. Por exemplo, se uma pessoa que mora em Tóquio cometer um crime, como estelionato, furto ou outro delito qualquer, e a comunidade tomar conhecimento, a rede de informação informal do bairro começa a funcionar e em pouco tempo as relações da comunidade com esse indivíduo serão cortadas, obrigando-o a se mudar.
No entanto não adianta se mudar para qualquer outro lugar dentro do Japão, pois, para onde ele for, será recepcionado, com todas as honras, por uma comitiva de moradores do bairro, que procurará saber de onde ele veio, de que cidade e bairro, para logo em seguida ligar para a associação de bairro de sua origem e perguntar quem é o novo morador, sua história e seu caráter.
Esse método de autoproteção foi criado há milênios para defender os condados de espiões e maus elementos e fortalecer a segurança da comunidade. No Japão, é necessária uma apresentação de alguém que o conheça para avalizar a sua pessoa, ficando quem apresenta responsável, moral e financeiramente, por quaisquer prejuízos que a indicação possa causar.
Já imaginaram um sistema como esse sendo aplicado no mundo ocidental?
Como primeiro benefício, teríamos a redução do número de crimes violentos, inclusive o de atentados terroristas, além de haver mais confiança em contratar serviços e comprar produtos, pois, em caso de insatisfação com o produto ou serviço prestado, a perda seria para o fornecedor -talvez até do seu negócio-, pelas referências negativas a seu respeito.
No Oriente, o número de processos e advogados é muito menor do que no Ocidente, pois é a sociedade que julga, e não a Justiça. Esse é um modelo muito mais eficiente e rápido.
Outro exemplo prático é o caso de uma multinacional, que tem uma fábrica no Brasil, cujo processo para a entrega e recebimento de uma mercadoria envolve o porteiro da indústria, o recepcionista, o auxiliar de escritório que confere a nota e o pedido, os carregadores que transportam a mercadoria, um conferente que faz a contagem e outro que verifica a qualidade do produto, para finalmente lançar a mercadoria no computador e providenciar o pagamento da fatura.
No Japão, o processo passa apenas pelo porteiro, pois a mercadoria é descarregada por ele mesmo, na doca de descarga, e é ele quem, ao final, digita a entrada da mercadoria e vai embora, pois o pagamento está automaticamente programado.
Veja que interessante: é o próprio fornecedor quem entrega e informa a entrada da mercadoria, e a multinacional acredita na informação, pois, se algo não der certo, ele não fornecerá para nenhuma empresa no Japão.
É importante refletir sobre esses exemplos, pois o modelo japonês reduz em muito os gastos com controle e segurança, tendo em vista que tais processos são executados pelos próprios fornecedores, funcionários responsáveis pela produção e pela comunidade, reduzindo, assim, a inércia do sistema e aumentando a eficiência da produção como um todo, pois há racionalidade e segurança em todos os aspectos envolvidos.
Dessa forma, pode-se direcionar o uso da força de trabalho e a criatividade do homem para construir e produzir benefícios para a humanidade, o que faz aumentar, assim, a qualidade de vida de todos nós.



Marcelo Vespoli Takaoka, 45, engenheiro civil, é professor do MBA de "real estate" do Programa de Educação Continuada da Escola Politécnica da USP e diretor-presidente da Y. Takaoka Empreendimentos S/A.


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