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CARLOS HEITOR CONY
O vermelho e o negro
RIO DE JANEIRO - Colar o rótulo de bom ou mau, no fundo, é o ofício humano mais freqüente, aberto diante
de cada um de nós diariamente, ou
melhor, a cada minuto de nosso cotidiano. Se usamos aquela camisa, se
vamos ou não vamos a algum lugar,
se falamos ou se calamos, se comemos bife com fritas ou sem elas, nos
departamentos mais nobres e nos
mais prosaicos, não fazemos outra
coisa a não ser navegar entre aquilo
que nos parece o bem ou o mal, o necessário ou o supérfluo, o devo ou o
não devo.
Foi o caso do cidadão que parou o
carro na estrada para tomar café e
viu que, nos fundos do bar, havia
uma briga de galos. Habituado a jogar, quis fazer uma aposta, mas não
tinha elementos suficientes para julgar os contendores, um galo vermelho e outro preto. Tomou informações com um espectador que lhe parecia entendido, perguntando qual era
o galo bom.
- O preto, respondeu o sujeito, com
a convicção de quem era dono da
verdade.
O sujeito jogou uma grana forte no
galo preto e ficou torcendo pelo contendor que lhe garantiram ser o bom.
Contendor que não correspondeu
àquilo que chamam de expectativas:
foi devidamente surrado pelo galo
vermelho, e só não morreu porque o
dono jogou a toalha no ringue, tirando-o da luta.
Bem, só restava ao sujeito reclamar
da informação recebida.
- O senhor me fez perder dinheiro,
dizendo que o galo preto era o bom...
- Foi o que o senhor me perguntou.
Agora, o malvado era o vermelho...
Toda a disputa, seja religiosa, política, econômica, esportiva, cultural
ou científica, é resumida nessa anedota, que me parece mais do que
uma fábula, mas um destino, uma
decorrência da condição humana.
Por coincidência, os galos da anedota compunham o mesmo confronto que Stendhal colocou no seu romance mais famoso: "O Vermelho e o
Negro". A lição é a mesma.
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