São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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História sem fim

Num ambiente de corrupção estrutural, o acusador de hoje pode perfeitamente ser o acusado de amanhã

ESTÁ LONGE de encontrar adeptos no Senado Federal, até o momento, a disposição para condenar o presidente da casa, Renan Calheiros. Segundo levantamento realizado pela Folha, nenhum senador considera haver ainda elementos suficientes para cassar o seu mandato.
Na atual fase do processo, com efeito, importa antes prosseguir nas investigações do que decidir intempestivamente sobre o destino político de Renan Calheiros. Sejam quais forem as conclusões a respeito das atividades comerciais do senador, entretanto, nada elimina o fato, já de si problemático para o decoro parlamentar, de que Renan Calheiros tenha recorrido a um lobista da construtora Mendes Júnior para tratar de assuntos concernentes à sua vida privada.
Não é este, ao que tudo indica, o entendimento da maioria dos senadores. Sem dúvida, é difícil escapar da conclusão de que procedimentos capazes de suscitar estranheza ao comum dos cidadãos tendem a ser tidos como normais no ambiente político de Brasília.
Uma das ironias no caso Renan Calheiros está, aliás, na circunstância de que, em questões de decoro parlamentar, nem todos os membros do Senado dispõem de credenciais convincentes para julgá-lo. Noticiou-se mesmo que, se alguns integrantes do Conselho de Ética hesitavam em assumir atitudes mais agressivas no episódio, isso se devia ao arsenal de denúncias que o presidente do Senado poderia brandir contra seus pares.
"Amanhã poderá ser qualquer um de nós", resumiu modestamente o senador Efraim Morais (DEM-PB), numa reunião de seu partido. Com efeito, é todo um sistema de favorecimentos públicos, de financiamentos irregulares de campanha, de relações com empreiteiras e lobistas, que se tornou rotina na vida política do país -e, numa sucessão de escândalos a perder de vista, o acusador de hoje pode perfeitamente tornar-se o acusado de amanhã.
De certo modo, é como se o Poder Legislativo, em seu conjunto, estivesse a ponto de se tornar disfuncional: suas energias se esgotam na investigação das próprias irregularidades. Isto, é claro, na melhor das hipóteses. Punidos, esquecidos ou perdoados, os atos de corrupção mudam de personagens, de nome, de endereço e de partido, mas com toda evidência integram o cerne do sistema político brasileiro.
O caso do senador Renan Calheiros deve ser, por certo, investigado até o fim. Mas sem reformas nas regras da política não haverá fim para o jogo de que é, em última análise, apenas o mais recente exemplo.
Mecanismos capazes de diminuir os custos e tornar transparentes os financiamentos de campanha, assim como a regulamentação das atividades dos lobbies e a instituição do voto distrital misto, não constituem panacéia para a corrupção, mas seriam ao menos capazes de separá-la daquilo que, hoje em dia, é o modo corriqueiro de fazer política no Brasil.


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