|
Próximo Texto | Índice
História sem fim
Num ambiente de corrupção estrutural, o acusador de hoje pode perfeitamente ser o acusado de amanhã
ESTÁ LONGE de encontrar
adeptos no Senado Federal, até o momento, a disposição para condenar o
presidente da casa, Renan Calheiros. Segundo levantamento
realizado pela Folha, nenhum
senador considera haver ainda
elementos suficientes para cassar o seu mandato.
Na atual fase do processo, com
efeito, importa antes prosseguir
nas investigações do que decidir
intempestivamente sobre o destino político de Renan Calheiros.
Sejam quais forem as conclusões
a respeito das atividades comerciais do senador, entretanto, nada elimina o fato, já de si problemático para o decoro parlamentar, de que Renan Calheiros tenha recorrido a um lobista da
construtora Mendes Júnior para
tratar de assuntos concernentes
à sua vida privada.
Não é este, ao que tudo indica,
o entendimento da maioria dos
senadores. Sem dúvida, é difícil
escapar da conclusão de que procedimentos capazes de suscitar
estranheza ao comum dos cidadãos tendem a ser tidos como
normais no ambiente político de
Brasília.
Uma das ironias no caso Renan Calheiros está, aliás, na circunstância de que, em questões
de decoro parlamentar, nem todos os membros do Senado dispõem de credenciais convincentes para julgá-lo. Noticiou-se
mesmo que, se alguns integrantes do Conselho de Ética hesitavam em assumir atitudes mais
agressivas no episódio, isso se
devia ao arsenal de denúncias
que o presidente do Senado poderia brandir contra seus pares.
"Amanhã poderá ser qualquer
um de nós", resumiu modestamente o senador Efraim Morais
(DEM-PB), numa reunião de seu
partido. Com efeito, é todo um
sistema de favorecimentos públicos, de financiamentos irregulares de campanha, de relações com empreiteiras e lobistas,
que se tornou rotina na vida política do país -e, numa sucessão
de escândalos a perder de vista, o
acusador de hoje pode perfeitamente tornar-se o acusado de
amanhã.
De certo modo, é como se o Poder Legislativo, em seu conjunto, estivesse a ponto de se tornar
disfuncional: suas energias se esgotam na investigação das próprias irregularidades. Isto, é claro, na melhor das hipóteses. Punidos, esquecidos ou perdoados,
os atos de corrupção mudam de
personagens, de nome, de endereço e de partido, mas com toda
evidência integram o cerne do
sistema político brasileiro.
O caso do senador Renan Calheiros deve ser, por certo, investigado até o fim. Mas sem reformas nas regras da política não
haverá fim para o jogo de que é,
em última análise, apenas o mais
recente exemplo.
Mecanismos capazes de diminuir os custos e tornar transparentes os financiamentos de
campanha, assim como a regulamentação das atividades dos lobbies e a instituição do voto distrital misto, não constituem panacéia para a corrupção, mas seriam ao menos capazes de separá-la daquilo que, hoje em dia, é
o modo corriqueiro de fazer política no Brasil.
Próximo Texto: Editoriais: Todos perderam
Índice
|