São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Conselho Monetário Nacional deve reduzir a meta de inflação para 2009?

NÃO

Muito barulho por pouca coisa

FERNANDO CARDIM DE CARVALHO

A NÓS brasileiros, especialmente aqueles que vivemos os tempos da alta inflação dos anos 70 ao Plano Real, qualquer iniciativa que se anuncie como mais um reforço da estabilidade alcançada a partir de 1994 tende a ser apoiada, até por reflexo. Agora se anuncia que o presidente do Banco Central e o ministro do Planejamento, dois terços portanto do Conselho Monetário Nacional, querem reduzir a meta de inflação para os próximos anos. A isso se opõem o ministro da Fazenda e, pelo que disse ao jornal "Valor" de quinta-feira, o presidente Lula. O ministro Mantega e o presidente têm razão.
A taxa de inflação está em menos de 4% ao ano. A meta de inflação está fixada um pouco acima disso. Vale a pena buscar reduzir mais o ritmo de alta de preços? Talvez valesse, se as políticas necessárias para conseguir isso não implicassem nenhum custo.
Mas o instrumento de que dispõe o BC para reduzir a taxa de inflação é a elevação ou a manutenção da taxa de juros em níveis suficientemente elevados para reprimir a demanda de consumidores e investidores. Há um custo direto resultante da adoção dessa política, que é a manutenção das taxas de crescimento econômico em níveis medíocres, e vários indiretos, como a valorização persistente do real, que tanto está custando ao setor industrial brasileiro. Por que a inflação é um problema?
Quando há um aumento suficientemente generalizado de preços para que se possa falar de inflação, sempre se observa que alguns preços sobem mais do que a média e outros sobem menos. Os setores em que os preços sobem mais tendem a melhorar sua posição em relação àqueles em que os preços sobem menos, porque os produtos cujos preços sobem mais depressa se trocam por maiores quantidades dos produtos que crescem menos. A inflação é um problema porque ela se constitui em um mecanismo de distribuição de renda que atua de forma cega, favorecendo de forma perversa aqueles empresários mais ágeis no reajuste de seus preços. Não ocorresse essa redistribuição, a inflação seria inteiramente inócua, independentemente da taxa alcançada.
Logo, a inflação é um problema.
Mas a inflação nos níveis atuais é um "sério" problema? A resposta é certamente não. Outros fatores atuam no sentido de redistribuir inesperadamente renda o tempo todo.
A inflação que vivemos até 1994 era um grave problema. Se a inflação é de 100% e um empresário só aumenta seus preços (ou os trabalhadores, os seus salários) metade disso, há uma perda real significativa. Se, em contraste, a inflação anual é de 5% e ocorre a mesma defasagem, perde-se só 2,5%, compensável com relativa facilidade por outras medidas, como aumentos de produtividade.
A inflação deixa de ser problema sério quando sua dimensão a torna apenas mais um dos muitos fatores que determinam o sucesso de uma atividade. Simplesmente o ganho com a redução ulterior da taxa de inflação não vale o custo representado pela manutenção de taxas de juros mais altas do que poderia ser o caso. A perda de bem-estar gerada pela incapacidade da economia de gerar empregos é muito maior que o ganho de evitar a perda de renda real por ter uma inflação de 4%, e não 3% ou menos.
O problema mais sério está no próprio regime de política monetária atualmente em prática, caracterizado pela insensibilidade aos efeitos contracionistas que exerce sobre o produto e o emprego. Um BC que despreza os efeitos de suas políticas sobre a produção, o emprego, as exportações sob a alegação de que seu papel é apenas controlar a inflação é um obstáculo ao desenvolvimento, não um apoio.
Alan Greenspan, o lendário líder do banco central mais bem-sucedido da atualidade, o Federal Reserve, bloqueou, com sua decidida oposição, todas as tentativas do Congresso norte-americano de impor à instituição um regime de metas inflacionárias. O atual presidente do Fed, Ben Bernanke, que defendeu esse regime quando estava na academia, não fez movimentos nessa direção após assumir o posto atual. Há aí uma lição importante. Perder tempo discutindo uma redução da meta inflacionária, por outro lado, é latir na árvore errada.


FERNANDO J. CARDIM DE CARVALHO, 53, doutor em economia pela Universidade Rutgers (EUA), é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

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