São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2010

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JOSÉ SARNEY

Da presunção

Não sei que pessoas fazem parte das consultas do economista-chefe do maior banco do país, que diagnosticou que a "bolha que nos ameaça é a bolha da presunção" e não os escolhos da economia.
Ninguém pode negar a autoridade técnica do entrevistado, mas sua afirmação surpreende. Ainda mais sabendo que os banqueiros lidam com números e não brincam com as palavras.
Já tivemos várias classificações do brasileiro. Há os que o acham brincalhão, outros preguiçoso, alguns aloprado e Sérgio Buarque de Holanda escreveu um livro célebre e referencial, "Raízes do Brasil", para descobrir "o brasileiro cordial", embora o cordial citado não seja como se concebe popularmente.
Nos últimos anos, o que se detectava era uma onda de pessimismo, todos achando que tudo estava errado, e uma sensação de que vivíamos sempre "à beira do abismo".
Carlos Lacerda, num momento de exaltação antigetulista, gritou na Câmara dos Deputados "estamos tão mal que roubaram até o abismo". Mas agora sabemos todos que o brasileiro não é mais o homem triste de que nos falava Paulo Prado, mas um eufórico contido.
A bolha que ameaça a economia, segundo o citado expert, não são mais os juros altos, nem o consumismo desregrado, mas uma neurose subjetiva, a presunção. Estamos todos presunçosos, eis a nova questão. Já não é a ausência das reformas, palavra sempre presente em nossa história, desde quando o conselheiro Nabuco de Araújo deu o grito "reforma ou revolução".
Concordo com essa visão do expert desse grande banco -que teve como presidente um dos maiores e melhores homens que já teve nosso país, a figura extraordinária de Olavo Setubal- quando fala de alta carga fiscal, de comprarmos casa não porque queiramos especular, mas para morar, e discordo quando advoga o Banco Central sem nenhum controle, totalmente autônomo.
Os dicionaristas dizem que presunção é: convicção infundada ou exagerada de suas próprias qualidades; afetação; pretensão; vaidade. Não chegaram a colocar no verbete nenhuma relação com a economia. Acredito que a bolha da presunção existiu sim, mas na Copa da África do Sul e foi explodida pela Holanda naquele dois a um, que nos fez realmente tristes.
Agora, em matéria econômica, ao saber que estamos melhor, que o Brasil vai bem, que os bancos, a classe média e os trabalhadores também, então sejamos presunçosos, mas sem bolha, porque este negócio de bolha vem de sabão e não de bons números da economia.
E não nos esqueçamos que a crise veio de fora e começou justamente num banco, o Lehman Brothers.


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br


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