|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Da presunção
Não sei que pessoas fazem
parte das consultas do economista-chefe do maior banco
do país, que diagnosticou que
a "bolha que nos ameaça é a
bolha da presunção" e não os
escolhos da economia.
Ninguém pode negar a autoridade técnica do entrevistado, mas sua afirmação surpreende. Ainda mais sabendo
que os banqueiros lidam com
números e não brincam com
as palavras.
Já tivemos várias classificações do brasileiro. Há os que o
acham brincalhão, outros preguiçoso, alguns aloprado e
Sérgio Buarque de Holanda
escreveu um livro célebre e referencial, "Raízes do Brasil",
para descobrir "o brasileiro
cordial", embora o cordial citado não seja como se concebe
popularmente.
Nos últimos anos, o que se
detectava era uma onda de
pessimismo, todos achando
que tudo estava errado, e uma
sensação de que vivíamos
sempre "à beira do abismo".
Carlos Lacerda, num momento de exaltação antigetulista,
gritou na Câmara dos Deputados "estamos tão mal que roubaram até o abismo". Mas agora sabemos todos que o brasileiro não é mais o homem triste de que nos falava Paulo Prado, mas um eufórico contido.
A bolha que ameaça a economia, segundo o citado expert, não são mais os juros altos, nem o consumismo desregrado, mas uma neurose subjetiva, a presunção. Estamos
todos presunçosos, eis a nova
questão. Já não é a ausência
das reformas, palavra sempre
presente em nossa história,
desde quando o conselheiro
Nabuco de Araújo deu o grito
"reforma ou revolução".
Concordo com essa visão do
expert desse grande banco
-que teve como presidente
um dos maiores e melhores
homens que já teve nosso
país, a figura extraordinária
de Olavo Setubal- quando fala de alta carga fiscal, de comprarmos casa não porque
queiramos especular, mas para morar, e discordo quando
advoga o Banco Central sem
nenhum controle, totalmente
autônomo.
Os dicionaristas dizem que
presunção é: convicção infundada ou exagerada de suas
próprias qualidades; afetação; pretensão; vaidade. Não
chegaram a colocar no verbete
nenhuma relação com a economia. Acredito que a bolha
da presunção existiu sim, mas
na Copa da África do Sul e foi
explodida pela Holanda naquele dois a um, que nos fez
realmente tristes.
Agora, em matéria econômica, ao saber que estamos
melhor, que o Brasil vai bem,
que os bancos, a classe média
e os trabalhadores também,
então sejamos presunçosos,
mas sem bolha, porque este
negócio de bolha vem de sabão e não de bons números da
economia.
E não nos esqueçamos que
a crise veio de fora e começou
justamente num banco, o Lehman Brothers.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
jose-sarney@uol.com.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Pressa em condenar Próximo Texto: TENDÊNCIAS/DEBATES Plínio Arruda Sampaio: Sobre conflitos políticos Índice
|