São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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JOÃO SAYAD

Olimpíadas

A marcha olímpica é uma modalidade de corrida ou de marcha em que o atleta tenta andar o mais depressa possível sem correr, isto é, sem saltar ou retirar ambos os pés do chão ao mesmo tempo. O atleta anda se rebolando, mantém os cotovelos no nível da cintura e movimenta os braços para a frente e para trás. Parece um passarinho com os pés amarrados por um ornitólogo cruel.
A economia brasileira está crescendo. A demanda aumentou por causa do excesso de exportações sobre importações e agora cresce a demanda por bens de consumo durável, como celulares, videocassetes, geladeiras etc.
As economias capitalistas sempre começam a crescer pelo aumento com gastos supérfluos. A recuperação americana depois do 11 de Setembro decorreu dos gastos públicos com as guerras do Iraque e Afeganistão. No Brasil, crescem as vendas de eletrodomésticos e eletrônicos, todos compram automóveis para as ruas congestionadas das nossas cidades ou para viajar em estradas perigosas e esburacadas.
É da natureza das economias capitalistas e é costumeiro na economia brasileira que a recuperação se inicie a partir de gastos com bens de consumo duráveis que um homem de bom senso chamaria de supérfluos.
No caso do Brasil, o crescimento deveria, ao menos mais tarde, aumentar a produção de bens públicos, como estradas e portos, e a oferta de bens de salário, isto é, dos bens que representam uma parte importante dos gastos dos trabalhadores, como transporte público, habitações, saúde e educação. O aumento na oferta de bens públicos e dos bens consumidos pelos trabalhadores aumentaria o salário real e reduziria a injustiça na distribuição de renda.
Esses investimentos não podem ser feitos pelo setor privado, pois não são rentáveis. Nem o governo brasileiro pode fazê-los. Arrecada 38% do PIB em impostos, mas gasta 6% do PIB em juros -e a dívida pública continua crescendo.
Há economistas que propõem como solução um aumento ainda maior do superávit primário e a manutenção dos juros no nível absurdo de 10% acima da inflação. Argumentam que, dessa forma, o risco Brasil diminuiria e o governo poderia pagar juros menores.
Mesmo com esse esforço, precisaríamos de dez anos para que a dívida pública se reduzisse a 40% do PIB! Por que reduzir a dívida pública? Bastaria que ela parasse de crescer, o que exige apenas juros menores.
Outros propõem a desvinculação dos gastos do governo em educação e saúde, de forma que o governo possa usar esses recursos para pagar juros. Ou seja, não investimos no fundamental para gastar dinheiro com juros redundantes, maiores do que o necessário para controlar a inflação.
Nos anos 60, a oposição democrática que depois se transformou em governo criticava o modelo de crescimento do período 68-73 por ser concentrador de renda. Há dez anos que pagamos juros reais de 10% ao ano todos os anos e transferimos pelo menos 5% da renda para os ricos.
A economia brasileira cresce como um atleta de marcha olímpica -anda requebrando-se em movimentos desarmônicos, proibida de correr por razões tão estranhas quanto as que proíbem os atletas de correr.


João Sayad passa a escrever às segundas-feiras nesta coluna.


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