São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

A véspera do sangue

RIO DE JANEIRO - Transcorre amanhã o cinqüentenário do suicídio de Getúlio Vargas. Desde o início do mês, a mídia vem lembrando a tragédia de 1954, mas a maior parte das reportagens veiculadas limita-se à análise da sua atuação no processo nacional.
São poucas as referências ao impacto que nos feriu a todos os que, na manhã de 24 de agosto daquele ano, foram fulminados com a notícia de que um homem de 71 anos, numa crise mais pessoal do que política, dera um tiro contra o próprio peito. Um homem que durante 20 anos era um símbolo nacional, odiado ou amado pouco importa, mas presente no cotidiano da nação e, também, no cotidiano de cada um de nós.
Impacto aproximado, mas com outro sentido e dimensão, teria sido a derrota do Brasil na Copa do Mundo de 1950. Uma aproximação de grau, mas não de gênero. A perda daquela Copa, que parecia ganha, não representou um fim, haveria um futuro e teríamos espaço para diluir o pasmo da derrota.
O suicídio de Vargas ficaria intacto, suspenso no ar, mostrando a que ponto podem chegar as paixões de um tempo e os limites da eterna luta entre o bem e o mal, sobretudo no plano moral e político.
Naquele instante, quando o tiro desfechado no Catete ecoou por toda a nação, não havia getulistas nem antigetulistas, tudo foi esquecido diante daquele gesto inesperado que nos deixou atônitos. As reações subseqüentes, contra ou favor, nada ou pouco significaram, foram e continuam explicadas até hoje de acordo com pontos de vista pessoais e contraditórios.
Mas o raio que fez tremer cada brasileiro que acordou com a notícia de que o presidente se matara foi um momento de absurdo coletivo que nunca houvera antes nem haveria depois. Curiosamente, ninguém duvidou daquele tiro. Gostássemos ou detestássemos Vargas, cada um de nós sabia que ele era um homem enigmático, que para conquistar um lugar proeminente na história não precisaria sair da vida ensangüentado pelas próprias mãos.


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