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CARLOS HEITOR CONY
A véspera do sangue
RIO DE JANEIRO - Transcorre amanhã o cinqüentenário do suicídio de
Getúlio Vargas. Desde o início do
mês, a mídia vem lembrando a tragédia de 1954, mas a maior parte das
reportagens veiculadas limita-se à
análise da sua atuação no processo
nacional.
São poucas as referências ao impacto que nos feriu a todos os que, na
manhã de 24 de agosto daquele ano,
foram fulminados com a notícia de
que um homem de 71 anos, numa crise mais pessoal do que política, dera
um tiro contra o próprio peito. Um
homem que durante 20 anos era um
símbolo nacional, odiado ou amado
pouco importa, mas presente no cotidiano da nação e, também, no cotidiano de cada um de nós.
Impacto aproximado, mas com outro sentido e dimensão, teria sido a
derrota do Brasil na Copa do Mundo
de 1950. Uma aproximação de grau,
mas não de gênero. A perda daquela
Copa, que parecia ganha, não representou um fim, haveria um futuro e
teríamos espaço para diluir o pasmo
da derrota.
O suicídio de Vargas ficaria intacto,
suspenso no ar, mostrando a que
ponto podem chegar as paixões de
um tempo e os limites da eterna luta
entre o bem e o mal, sobretudo no
plano moral e político.
Naquele instante, quando o tiro
desfechado no Catete ecoou por toda
a nação, não havia getulistas nem
antigetulistas, tudo foi esquecido
diante daquele gesto inesperado que
nos deixou atônitos. As reações subseqüentes, contra ou favor, nada ou
pouco significaram, foram e continuam explicadas até hoje de acordo
com pontos de vista pessoais e contraditórios.
Mas o raio que fez tremer cada brasileiro que acordou com a notícia de
que o presidente se matara foi um
momento de absurdo coletivo que
nunca houvera antes nem haveria
depois. Curiosamente, ninguém duvidou daquele tiro. Gostássemos ou
detestássemos Vargas, cada um de
nós sabia que ele era um homem
enigmático, que para conquistar um
lugar proeminente na história não
precisaria sair da vida ensangüentado pelas próprias mãos.
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