São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O "dossiêgate" frustra a proposta de Lula de fazer uma concertação num eventual 2º mandato?

NÃO

Concertação ou confrontação

JEFFERSON PÉRES

O CLIMA da campanha eleitoral parece evidenciar, mais do que nunca, a necessidade de se promover, após as eleições, um grande entendimento político em torno de um projeto nacional de longo prazo, a ter início no próximo governo.
Se for verdade que, para nós, emergentes, o tempo histórico se encurta dramaticamente, torna-se imperioso remover, já no próximo quadriênio, os obstáculos que impedem ou dificultam a nossa arrancada.
Não vejo como essa limpeza de terreno possa vir a ser feita sem uma concertação entre alguns dos partidos que sobreviverem à cláusula de barreira, sem o que não será possível aprovar no Congresso medidas relevantes e imprescindíveis à retomada do desenvolvimento.
Que fique claro: a concertação se faria sem adesismo, em torno de uma agenda mínima, com os partidos de oposição pactuantes fora do governo e exercendo seu papel crítico.
Não falo só de reformas estruturais, imprescindíveis, que não serão aprovadas sem consenso. Além dessas, há duas outras, urgentes, que o próximo governo terá de fazer aprovar pelo Congresso já em 2007, sob pena de se inviabilizar a partir de 2008.
Refiro-me à prorrogação da DRU e da Cofins, que vencem em dezembro de 2007. São emendas à Constituição, e exigem, portanto, quórum qualificado de três quintos nas duas Casas, o que nenhum governo terá, com toda certeza. Ainda mais sem mensalão.
Mesmo vencidas essas primeiras e decisivas batalhas, apenas se terá assegurado a continuação do precário equilíbrio das contas públicas, suficiente para que o governo tenha uma sobrevivência medíocre. Mas todos concordam que o Brasil não pode continuar nessa mediocridade. Vencida a inflação, o próximo governo terá de priorizar a retomada do crescimento, ao ritmo de pelo menos 5% ao ano. Não como um fim em si mesmo, mas como condição necessária para a solução dos graves problemas do país.
Também parece consensual que se torna inadiável a realização de um ajuste fiscal profundo, tanto do lado das receitas quanto do lado dos gastos, para dar equilíbrio consistente e duradouro às contas públicas, como precondição para a retomada do crescimento sustentável. Tal ajuste exige mudanças na Constituição e nas leis que dificilmente serão aprovadas sem um acordo no Congresso. Até porque, pela impopularidade de algumas dessas medidas, a oposição terá o reforço de defecções na base governista.
Ante o quadro acima descrito, resta ver que cenário se delineia para o próximo quadriênio. Supondo o mais provável, que é a reeleição de Lula, passaremos a respirar uma atmosfera política carregada e envenenada, com tempestades em seu bojo.
De um lado, teremos um presidente inebriado pela vitória, triunfalista e arrogante, com desprezo crescente pelos partidos e pelos políticos, tendente a deles prescindir em razão do grande apoio popular.
Do outro, teremos uma oposição machucada pela derrota, mas animada e tonificada pela real perspectiva de vitória em 2010. Por isso mesmo, aguerrida, intransigente e disposta a tudo fazer para infernizar o governo. Nessas condições, o presidente, acuado e a sofrer sucessivas derrotas parlamentares, será fortemente tentado a uma confrontação com o Congresso pela mobilização do povo para manifestações nas ruas e nas urnas, mediante convocação de plebiscitos.
Seria uma aplicação aqui do chavismo. Sem dúvida, um formidável equívoco, com poucas chances de êxito, considerando as estruturas econômicas e sociais do Brasil, muito mais complexas que as da Venezuela. Mas, apesar do malogro, capaz de fazer um grande estrago ao provocar a conjugação explosiva de uma dupla crise -política e econômica-, que nos faria mergulhar no pior dos mundos.
A pergunta é: tem saída? Acho que sim. Vejo o Brasil numa encruzilhada, com o rumo a ser definido no próximo quadriênio. Se optarmos pela concertação, iniciaremos a caminhada da lucidez, que nos levará, em poucos anos, a fazer parte da elite mundial. Se preferirmos a confrontação, prosseguiremos nessa marcha da insensatez, conduzida pelos que não souberam enxergar e, por isso, nos fizeram perder o bonde da história.


JEFFERSON PÉRES, 74, advogado, é senador da República pelo PDT do Amazonas.

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Marco Antonio Villa: A farsa petista

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.