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TENDÊNCIAS/DEBATES
O "dossiêgate" frustra a proposta de Lula de fazer
uma concertação num eventual 2º mandato?
SIM
A farsa petista
MARCO ANTONIO VILLA
NO BRASIL , concertação significa submissão da oposição ao
governo. E hoje, mais ainda,
representa aceitar que os Gedimares,
Expeditos, Freuds e Vedoins sejam os
fiadores dessa transação. Um grande
acordo significa alterar velhas práticas enraizadas na cultura política nacional, um desejo sincero de construir a modernidade no país e um programa reformista. Dificilmente será
aceito, por exemplo, por Lula ou pelo
setor de "informação" do PT.
A sucessão de escândalos -que se
inter-relacionam- é uma clara demonstração de que é inviável qualquer concertação. O governo cristalizou uma forma de "fazer política" que
desqualifica a democracia, o livre debate e a idéia de mudança.
A declaração dada pelo presidente,
em jantar com empresários, de que
gostaria de fechar o Congresso Nacional é gravíssima. As diversas tentativas de manietar a imprensa, os intelectuais e os artistas também sinalizam o desprezo à alteridade política,
ideológica e artística: o fracasso da "linha justa" se deveu em grande parte à
ação da imprensa e dos intelectuais
não afinados à nova ordem.
Entre as inúmeras aulas de pós-graduação em sociologia política dadas pelo presidente -além de dividir
o palanque e elogiar honrados republicanos, como Jader Barbalho-, deve ser registrada a mudança conceitual do significado de movimentos sociais. No Brasil, como são financiados
pelo Estado, a autonomia de ação,
condição básica desses movimentos,
inexiste. Mesmo assim, prosperam financeiramente e se transformam em
correias de transmissão do governo.
Outra contribuição sociológica foi
para a nefasta relação das ONGs com
o governo. Elas converteram-se em
aparelho ideológico de Estado, e muitas foram usadas para lavar dinheiro
ilícito e como instrumento de coação
eleitoral contra adversários políticos.
Um acordo de alto nível teria de
conduzir necessariamente ao fim do
controle partidário do Estado e da
utilização de empresas, bancos, agências de fomento e ministérios como
instrumentos da política petista. São
milhares de assessores que se locupletam no poder e que não sairão dos
cargos espontaneamente. Veja, por
exemplo, a acusação de que membros
do alto escalão de um banco estatal
estariam envolvidos em diversos escândalos nos últimos três anos.
Os acusados por sérios desvios éticos sempre foram defendidos enfaticamente pelo presidente. Ora relembrados como companheiros que cometeram simples erros -usando uma
metáfora bem ao gosto de Lula, dividiram a bola solando o adversário-,
ora citados como exemplos de militantes, ora como vítimas de suposta
conspiração das elites. Em nenhum
momento Lula disse que aquelas práticas foram criminosas, que feriram
gravemente o espírito republicano.
O respeito à oposição é básico para
qualquer acordo político. Para o petismo, opositor é inimigo, e não simplesmente um adversário. Um inimigo não para conviver, mas para eliminar. Nesse ponto, o partido continua
tributário do stalinismo. Até hoje
aguardamos uma autocrítica do PT.
Dada a formação do poder político
brasileiro, uma concertação deve levar à diminuição da influência nefasta do coronelismo. A modernização
política surgirá sob os escombros da
velha ordem, daqueles que foram tão
bem denominados por Euclides da
Cunha como os senhores do baraço e
do cutelo. Contudo, o governo Lula
alçou os velhos coronéis a heróis vivos da nacionalidade, em exemplos
que devem ser seguidos.
Assim como o balão de ensaio da
constituinte, lançado e logo abandonado, a concertação também deve ser
deixada de lado, apesar do apoio sincero e descompromissado de alguns
parlamentares oposicionistas. Em
nenhum momento foi tema da campanha eleitoral. Não passa de manobra diversionista, para que a oposição
deixe de lado o terrível abalo ético representado pela gestão Lula.
Marx escreveu livros célebres. Mas,
por muitos, é lembrado só por certas
frases. Uma delas é a que diz que a história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. O governo
Geisel teve a missão Petrônio Portela.
Hoje temos a missão Tarso Genro.
MARCO ANTONIO VILLA, 50, é professor de história da
Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de, entre
outras obras, "Jango, um perfil (1945-1964)".
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