São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O "dossiêgate" frustra a proposta de Lula de fazer uma concertação num eventual 2º mandato?

SIM

A farsa petista

MARCO ANTONIO VILLA

NO BRASIL , concertação significa submissão da oposição ao governo. E hoje, mais ainda, representa aceitar que os Gedimares, Expeditos, Freuds e Vedoins sejam os fiadores dessa transação. Um grande acordo significa alterar velhas práticas enraizadas na cultura política nacional, um desejo sincero de construir a modernidade no país e um programa reformista. Dificilmente será aceito, por exemplo, por Lula ou pelo setor de "informação" do PT.
A sucessão de escândalos -que se inter-relacionam- é uma clara demonstração de que é inviável qualquer concertação. O governo cristalizou uma forma de "fazer política" que desqualifica a democracia, o livre debate e a idéia de mudança.
A declaração dada pelo presidente, em jantar com empresários, de que gostaria de fechar o Congresso Nacional é gravíssima. As diversas tentativas de manietar a imprensa, os intelectuais e os artistas também sinalizam o desprezo à alteridade política, ideológica e artística: o fracasso da "linha justa" se deveu em grande parte à ação da imprensa e dos intelectuais não afinados à nova ordem.
Entre as inúmeras aulas de pós-graduação em sociologia política dadas pelo presidente -além de dividir o palanque e elogiar honrados republicanos, como Jader Barbalho-, deve ser registrada a mudança conceitual do significado de movimentos sociais. No Brasil, como são financiados pelo Estado, a autonomia de ação, condição básica desses movimentos, inexiste. Mesmo assim, prosperam financeiramente e se transformam em correias de transmissão do governo.
Outra contribuição sociológica foi para a nefasta relação das ONGs com o governo. Elas converteram-se em aparelho ideológico de Estado, e muitas foram usadas para lavar dinheiro ilícito e como instrumento de coação eleitoral contra adversários políticos.
Um acordo de alto nível teria de conduzir necessariamente ao fim do controle partidário do Estado e da utilização de empresas, bancos, agências de fomento e ministérios como instrumentos da política petista. São milhares de assessores que se locupletam no poder e que não sairão dos cargos espontaneamente. Veja, por exemplo, a acusação de que membros do alto escalão de um banco estatal estariam envolvidos em diversos escândalos nos últimos três anos.
Os acusados por sérios desvios éticos sempre foram defendidos enfaticamente pelo presidente. Ora relembrados como companheiros que cometeram simples erros -usando uma metáfora bem ao gosto de Lula, dividiram a bola solando o adversário-, ora citados como exemplos de militantes, ora como vítimas de suposta conspiração das elites. Em nenhum momento Lula disse que aquelas práticas foram criminosas, que feriram gravemente o espírito republicano.
O respeito à oposição é básico para qualquer acordo político. Para o petismo, opositor é inimigo, e não simplesmente um adversário. Um inimigo não para conviver, mas para eliminar. Nesse ponto, o partido continua tributário do stalinismo. Até hoje aguardamos uma autocrítica do PT.
Dada a formação do poder político brasileiro, uma concertação deve levar à diminuição da influência nefasta do coronelismo. A modernização política surgirá sob os escombros da velha ordem, daqueles que foram tão bem denominados por Euclides da Cunha como os senhores do baraço e do cutelo. Contudo, o governo Lula alçou os velhos coronéis a heróis vivos da nacionalidade, em exemplos que devem ser seguidos.
Assim como o balão de ensaio da constituinte, lançado e logo abandonado, a concertação também deve ser deixada de lado, apesar do apoio sincero e descompromissado de alguns parlamentares oposicionistas. Em nenhum momento foi tema da campanha eleitoral. Não passa de manobra diversionista, para que a oposição deixe de lado o terrível abalo ético representado pela gestão Lula.
Marx escreveu livros célebres. Mas, por muitos, é lembrado só por certas frases. Uma delas é a que diz que a história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. O governo Geisel teve a missão Petrônio Portela. Hoje temos a missão Tarso Genro.


MARCO ANTONIO VILLA, 50, é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de, entre outras obras, "Jango, um perfil (1945-1964)".

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