São Paulo, quarta-feira, 23 de setembro de 2009

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Editoriais

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Lei desidratada

A "LEI SECA" , como ficou conhecida a de número 11.705/2008, que incluiu no Código de Trânsito Brasileiro um limite quantitativo rigoroso para o nível de álcool no sangue de motoristas, constitui um bom exemplo de que o endurecimento da legislação nem sempre produz os resultados pretendidos. Paradoxalmente, a fixação do teto de 6 decigramas de álcool por litro de sangue -algo como dois copos de cerveja- parece estar contribuindo para a impunidade dos condutores flagrados em embriaguez ao volante.
O objetivo era induzir o nível de álcool no sangue a zero. Pelo menos de início, a nova regra conseguiu reprimir esse comportamento de risco, que segundo estatísticas está envolvido em cerca de 40% a 60% dos acidentes de trânsito com mortes. A fiscalização aumentou, e motoristas temerosos das penalidades draconianas -prisão em flagrante e seis meses a três anos de detenção- passaram a pensar duas vezes antes de beber e dirigir.
Ocorre que, ao fixar o limite numérico, a lei tornou o crime, tipificado no artigo 306 do código, dependente da comprovação da embriaguez por meio de teste químico de presença de álcool no sangue. Como ninguém está obrigado a produzir provas contra si próprio, é direito do autuado recusar-se a realizar o teste do bafômetro. Levantamento recente indicou que, nos casos que chegam aos tribunais, 80% dos refratários ao teste terminam absolvidos por falta de provas.
Colhe-se, como era previsível, o efeito oposto do pretendido. À medida que o esforço de fiscalização se esvai, o temor da punição arrefece. Em paralelo, difunde-se que basta escapar do teste para arcar só com as punições administrativas (multa e suspensão da carteira por um ano). Mais uma lei deixa de "pegar".
Constatado o paradoxo, debate-se agora na Câmara um novo endurecimento da lei. Pela proposta, a recusa ao teste do bafômetro passaria a ser indício suficiente para a prisão. Cogita-se corrigir o erro anterior com outro: punir o cidadão por exercer o direito, consagrado na jurisprudência, de não se incriminar.


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