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Lei desidratada
A "LEI SECA" , como ficou
conhecida a de número
11.705/2008, que incluiu no Código de
Trânsito Brasileiro um limite
quantitativo rigoroso para o nível de álcool no sangue de motoristas, constitui um bom exemplo de que o endurecimento da
legislação nem sempre produz os
resultados pretendidos. Paradoxalmente, a fixação do teto de 6
decigramas de álcool por litro de
sangue -algo como dois copos
de cerveja- parece estar contribuindo para a impunidade dos
condutores flagrados em embriaguez ao volante.
O objetivo era induzir o nível
de álcool no sangue a zero. Pelo
menos de início, a nova regra
conseguiu reprimir esse comportamento de risco, que segundo estatísticas está envolvido em
cerca de 40% a 60% dos acidentes de trânsito com mortes. A fiscalização aumentou, e motoristas temerosos das penalidades
draconianas -prisão em flagrante e seis meses a três anos de detenção- passaram a pensar duas
vezes antes de beber e dirigir.
Ocorre que, ao fixar o limite
numérico, a lei tornou o crime,
tipificado no artigo 306 do código, dependente da comprovação
da embriaguez por meio de teste
químico de presença de álcool no
sangue. Como ninguém está
obrigado a produzir provas contra si próprio, é direito do autuado recusar-se a realizar o teste do
bafômetro. Levantamento recente indicou que, nos casos que
chegam aos tribunais, 80% dos
refratários ao teste terminam
absolvidos por falta de provas.
Colhe-se, como era previsível,
o efeito oposto do pretendido. À
medida que o esforço de fiscalização se esvai, o temor da punição arrefece. Em paralelo, difunde-se que basta escapar do teste
para arcar só com as punições
administrativas (multa e suspensão da carteira por um ano).
Mais uma lei deixa de "pegar".
Constatado o paradoxo, debate-se agora na Câmara um novo
endurecimento da lei. Pela proposta, a recusa ao teste do bafômetro passaria a ser indício suficiente para a prisão. Cogita-se
corrigir o erro anterior com outro: punir o cidadão por exercer o
direito, consagrado na jurisprudência, de não se incriminar.
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