São Paulo, quarta, 23 de setembro de 1998

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Ideologia e fundamentais

ANTONIO DELFIM NETTO

O economista Paul Krugman, que depois de sua visita ao Brasil passou a ser uma espécie de prior do mosteiro que abriga alguns membros da equipe econômica, publicou em "The New York Times" um curioso artigo, "Não entre em pânico -ainda". Nele apresenta um cenário onde a situação financeira mundial pode agravar-se se os responsáveis pelas políticas econômicas dos EUA, Eurolândia e Japão não entenderem corretamente a dinâmica da crise ou agirem pouco e tardiamente.
O cenário pessimista requer a velha lei de Murphy, "tudo o que pode dar errado dá mesmo errado". Mas há a probabilidade de que algumas coisas dêem certo. Por exemplo, que o Japão enfrente o seu problema financeiro com uma verdadeira reforma bancária (o que parece em via de acontecer) ou que -suprema esperança- o "mercado respire profundamente e tenha a clara percepção de que o Brasil e a Rússia são, afinal de contas, lugares bem diferentes".
O ponto interessante do curto artigo é a afirmação de que "o risco real que paira sobre a economia mundial talvez não seja produzido pelos chamados fundamentais, mas sim por rígidos dogmas ideológicos, que podem levar os responsáveis pela política econômica a não responder corretamente à situação, ou mesmo mover-se na direção errada, se uma depressão mundial começar a se desenvolver".
Uma dessas ideologias -prossegue Krugman- "é que uma moeda forte significa uma economia forte", ou que "a estabilidade monetária é condição suficiente para assegurar a prosperidade". Uma recessão mundial pode ser aprofundada, por exemplo, pelo Banco do Japão, se quiser defender o iene à custa de uma elevação da taxa de juros, ou então pelo Bundesbank recusando-se a reduzir suas taxas de juros porque não quer dar "um mau exemplo" ao seu sucessor, o Banco Central Europeu.
Outra atitude puramente ideológica é a dos países desenvolvidos que aceitam convictamente a premissa de que os "culpados pela crise são as suas vítimas", o que tranquiliza as suas consciências. É pecaminoso, portanto, a vítima tentar uma recuperação mais rápida por meio da expansão monetária e fiscal, porque isso apenas adiaria a "correção dos graves problemas estruturais que ela tem de fazer"! É pura ideologia vendida como "boa ciência econômica".
Ideologia à parte, nossos fundamentais não vão bem e tendem a piorar, como mostram os números que revelam as taxas acumuladas de crescimento das exportações de 1998 contra o mesmo período de 1997: janeiro, 6,2%; fevereiro, 11,7%; março, 11,7%; abril, 7,8%; maio, 5,7%; junho, 4,8%; julho, 3,0%; agosto, -0,5%. É certo que há algumas explicações para a queda das exportações de janeiro a agosto de 1998 contra as de janeiro a agosto de 1997, mas nenhuma delas muito convincente.
Pelo jeito vamos crescer 1,0% em 1998 e aumentar o desemprego. O déficit público vai aumentar por conta do aumento dos juros, e a dívida pública está cada vez mais mal financiada. O déficit em conta corrente permanece em 4%, usado para consumo. Não há sinal mais alarmante, entretanto, do que uma queda das exportações. Foi assim que tudo começou, da Tailândia à Rússia.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



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