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Ideologia e fundamentais
ANTONIO DELFIM NETTO
O economista Paul Krugman, que
depois de sua visita ao Brasil passou a
ser uma espécie de prior do mosteiro
que abriga alguns membros da equipe
econômica, publicou em "The New
York Times" um curioso artigo,
"Não entre em pânico -ainda". Nele apresenta um cenário onde a situação financeira mundial pode agravar-se se os responsáveis pelas políticas econômicas dos EUA, Eurolândia
e Japão não entenderem corretamente
a dinâmica da crise ou agirem pouco e
tardiamente.
O cenário pessimista requer a velha
lei de Murphy, "tudo o que pode dar
errado dá mesmo errado". Mas há a
probabilidade de que algumas coisas
dêem certo. Por exemplo, que o Japão
enfrente o seu problema financeiro
com uma verdadeira reforma bancária (o que parece em via de acontecer)
ou que -suprema esperança- o
"mercado respire profundamente e
tenha a clara percepção de que o Brasil e a Rússia são, afinal de contas, lugares bem diferentes".
O ponto interessante do curto artigo
é a afirmação de que "o risco real que
paira sobre a economia mundial talvez não seja produzido pelos chamados fundamentais, mas sim por rígidos dogmas ideológicos, que podem
levar os responsáveis pela política
econômica a não responder corretamente à situação, ou mesmo mover-se
na direção errada, se uma depressão
mundial começar a se desenvolver".
Uma dessas ideologias -prossegue
Krugman- "é que uma moeda forte
significa uma economia forte", ou
que "a estabilidade monetária é condição suficiente para assegurar a prosperidade". Uma recessão mundial
pode ser aprofundada, por exemplo,
pelo Banco do Japão, se quiser defender o iene à custa de uma elevação da
taxa de juros, ou então pelo Bundesbank recusando-se a reduzir suas taxas de juros porque não quer dar
"um mau exemplo" ao seu sucessor,
o Banco Central Europeu.
Outra atitude puramente ideológica
é a dos países desenvolvidos que aceitam convictamente a premissa de que
os "culpados pela crise são as suas vítimas", o que tranquiliza as suas
consciências. É pecaminoso, portanto, a vítima tentar uma recuperação
mais rápida por meio da expansão
monetária e fiscal, porque isso apenas
adiaria a "correção dos graves problemas estruturais que ela tem de fazer"! É pura ideologia vendida como
"boa ciência econômica".
Ideologia à parte, nossos fundamentais não vão bem e tendem a piorar,
como mostram os números que revelam as taxas acumuladas de crescimento das exportações de 1998 contra
o mesmo período de 1997: janeiro,
6,2%; fevereiro, 11,7%; março, 11,7%;
abril, 7,8%; maio, 5,7%; junho, 4,8%;
julho, 3,0%; agosto, -0,5%. É certo
que há algumas explicações para a
queda das exportações de janeiro a
agosto de 1998 contra as de janeiro a
agosto de 1997, mas nenhuma delas
muito convincente.
Pelo jeito vamos crescer 1,0% em
1998 e aumentar o desemprego. O déficit público vai aumentar por conta
do aumento dos juros, e a dívida pública está cada vez mais mal financiada. O déficit em conta corrente permanece em 4%, usado para consumo.
Não há sinal mais alarmante, entretanto, do que uma queda das exportações. Foi assim que tudo começou, da
Tailândia à Rússia.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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