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São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Estado precisa de parceiros

ROBERTO AMARAL

As políticas nacionais que conduziram ao processo de industrialização e modernização do país foram concebidas pelo movimento dos tenentes, nos anos 20, após as experiências fracassadas do Império, dos primeiros anos da República e da substituição de importações, no período da Primeira Guerra Mundial (a primeira lei de proteção ao similar nacional foi redigida por Rui Barbosa). Essa política acabou em processo doloroso. Muitas das instalações fabris em São Paulo, Rio, Minas e no Nordeste tornaram-se, no pós-guerra, prédios abandonados; em Paulo Afonso, onde funcionava a fábrica de linhas de cozer de Delmiro Gouveia, as máquinas foram jogadas ao rio pelos novos donos ingleses, depois do assassinato do empresário pioneiro.
Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930, num período de recessão mundial e quase permanentemente sob moratória, estabeleceu bases da industrialização: escolas técnicas, Senai, Senac, Universidade do Brasil (que, até então, só existia no papel), regulamentação de profissões e relações de trabalho.
No Estado Novo, tivemos nova fase de substituição de importações, estabelecendo a convivência de "ilhas" de desenvolvimento com a arcaica estrutura agrária. Em troca da entrada do Brasil na Segunda Guerra, Vargas obteve dos Estados Unidos financiamento e tecnologia para a Companhia Siderúrgica Nacional e a Fábrica Nacional de Motores, além da formação de uma comissão mista que planejou o crescimento econômico no pós-guerra.
Mas esses planos só foram postos em prática no segundo governo Vargas, a partir de 1950. Ao se tornar evidente que os Estados Unidos não aplicariam no Brasil US$ 500 milhões, conforme combinado, criou um adicional do Imposto de Renda e lançou, com recursos próprios, um banco de desenvolvimento (hoje BNDES), a Petrobras, a Hidrelétrica do São Francisco e as primeiras grandes obras de infra-estrutura.
Foi o início do processo industrial que se seguiria, apesar do golpe conservador de 1954, com Juscelino Kubitschek, João Goulart e os governos militares, fundamentalmente na administração Geisel, juntamente com o esforço para construir o futuro de nossa ciência e tecnologia, em que se destacam o ITA e o CNPq. A isso somou-se a iniciativa empreendedora de governos estaduais, especialmente o de São Paulo, que desde cedo participou dessa jornada para o futuro, com a Fapesp (1960) e duas associações importantes: ensino e descentralização -campi da USP e da Unesp em todo o Estado, Unicamp em Campinas etc.; e investimento público e empreendorismo industrial.



A experiência mostra que a "globalização" exige o fortalecimento dos Estados nacionais


Tudo isso nos leva à conclusão de que aqui, mais do que na Europa e nos EUA e talvez tanto quanto na China e na Coréia, as políticas públicas foram construtoras do progresso. E a experiência mostra que a "globalização" exige o fortalecimento dos Estados nacionais, inclusive de seu papel indutor em projetos próprios de desenvolvimento.
Essas políticas públicas deveriam ter sido complementadas por uma maior participação da iniciativa privada, como hoje se prioriza. Na contramão, todavia, outros modelos de desenvolvimento industrial tardio foram adotados, primeiro com a importação de fábricas e montadoras de produtos obsoletos (a indústria automobilística é o melhor exemplo), depois com a atração de multinacionais (que aqui, como regra, não investiriam em inovação) e, finalmente, com o apelo ao capital meramente especulativo.
A reversão desse processo consolidado é naturalmente lenta, porque envolve aspectos culturais e representações de realidade. Daí a importância ainda grande dos recursos públicos e todo o esforço do governo de mudanças do presidente Lula, dentro de seu compromisso com a retomada do desenvolvimento e a inclusão social, em favor do maior investimento possível em ciência e tecnologia, em benefício do futuro.
O presidente já anunciou a decisão de, até o final deste mandato, estar o país investindo pelo menos 2% do PIB nacional em C&T. Com todas as dificuldades, já aplicamos neste ano 30% a mais do que no ano passado. O governo Lula, investindo prioritariamente em recursos humanos, aumentou o número de bolsas do CNPq e pôs em ação um extenso programa para integrar o sistema universidades públicas/Estados e levar a política de formação de mestres e doutores a todas as unidades da Federação.
Mas esse esforço não pode ser apenas do poder público. A universidade privada pouco se dedica à ciência. E a empresa também pouco investe, enquanto a Petrobras oferece a todo o mundo dos negócios o fantástico exemplo de seu centro de pesquisas, o Cenpes, a alavanca mais importante de seu sucesso.
É crucial a participação do empresariado brasileiro, absorvendo doutores e pesquisadores, investindo em tecnologia e inovação. Para isso, poder público e iniciativa privada, universidades e empresas terão de se entender como parceiros de um mesmo projeto: o desenvolvimento sustentável de nosso país.

Roberto Amaral, 62, advogado e cientista política, vice-presidente nacional do PSB, é o ministro da Ciência e Tecnologia.


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