São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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ARQUIVOS PROIBIDOS

Ainda não está esclarecido o episódio das imagens, recentemente divulgadas, em que apareceria o jornalista Vladimir Herzog pouco antes de seu assassinato em 1975. São duvidosas não apenas as circunstâncias das fotos como a identidade das pessoas retratadas em situação de nudez constrangedora. Só não paira dúvida sobre o fato de que Herzog foi preso, torturado e assassinado por agentes do regime militar então em vigor no Brasil.
Mas o episódio serviu para demonstrar que as Forças Armadas ainda não desenvolveram uma atitude adequada em relação a esse passado traumático. Uma primeira nota, divulgada pela assessoria do Exército, repetia o jargão mistificador utilizado pelo regime militar. Foi seguida por outra nota, autorizada pelo comandante da Força e feita sob medida em acatamento a instruções do próprio presidente Lula.
Ao contrário do que muitas vezes se apregoa hoje, o regime militar não foi resultado de alguma vocação repressiva inerente às Forças Armadas. Foi fruto da violenta radicalização política que afetou o mundo inteiro nas décadas de 60 e 70 do século passado. A oposição armada ao regime militar não era democrática. Seu objetivo era implantar uma ditadura socialista no país, que teria sido igual ou até pior que a dos generais.
Mas nada disso justifica os desmandos que ocorreram sob a responsabilidade do regime instalado em 64, que não somente suprimiu as liberdades públicas mas torturou e assassinou adversários que se encontravam sob custódia do Estado. Dessa terrível experiência, a sociedade brasileira emergiu sob o compromisso de nunca mais aceitar a quebra das regras democráticas nem a violência contra opositores políticos.
A anistia de 1979 permitiu superar esse passado, evitando que se perenizasse uma espiral de ressentimentos, compreensíveis de ambos os lados, mas inaceitáveis como forma de convivência numa mesma nação. O espírito da anistia, que deve ser preservado, não significa porém desconhecer o passado. É necessário que os arquivos da repressão sejam de uma vez por todas divulgados e que os fatos ainda obscuros sejam esclarecidos -em nome da História e do aprendizado das futuras gerações.


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