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JOSÉ SARNEY
O menino Jesus de minha aldeia
"Num meio dia de Primavera /
Tive um sonho como uma fotografia / Vi Jesus descer à terra. /... /
Tinha fugido do céu". É assim que
Fernando Pessoa começa o seu poema
sobre o Menino Jesus, que convivia
com ele na sua aldeia, correndo campos e colinas. Tinha fugido do céu. Lá
tudo era muito solene e sempre havia
o desejo de que ele se tornasse homem
e o colocassem numa cruz com uma
coroa de espinhos.
Eu, também, na minha infância, tive
sonhos de ver o Menino Jesus descer
em Pinheiro. Ele vinha rodeado de anjos, resplandecente, e se deitava na
manjedoura da igreja de Santo Inácio,
onde nós íamos beijar-lhe os pés. A
lembrança que me ficou foi de um Natal em que chovia a noite inteira. A
roupa nova feita para a Missa do Galo
tinha seu primeiro desafio. Meus irmãos e eu de mãos dadas e o olhar
santo de minha mãe na felicidade de
sua fé inabalável.
Tempos da infância, onde essa noite
era de rezas e, na volta da missa, um
chocolate leitoso com um pão-de-ló. E
era esperar de manhã o que Papai
Noel deixara debaixo de nossas redes.
Nada de brinquedos eletrônicos nem
o colorido dos plásticos. Era um tambor de lata, feito pelo funileiro da cidade, pintado de azul e com as bordas
amarelas.
O presépio, que todos dizem inventado por são Francisco, o mesmo que
tanto gostava dos pássaros, era feito
com a plantação de arroz, as sementes
colocadas e adubadas desde a Conceição, no dia 8 de dezembro. Tudo calculado para que, no Natal, os brotos
de arroz enfeitassem a gruta onde são
José, de cajado na mão, olhava a vaquinha, o burro e a estrela do Oriente.
Cada um vai construindo a sua visão
desse dia em que nós, cristãos, celebramos a aliança de Deus com os homens. O relato do nascimento do Menino só aparece no Evangelho de São
Lucas. São João, na beleza de sua concisão, diz apenas que o verbo se fez
carne. Mateus passa logo para a visita
dos reis guiados pela estrela. Marcos
começa com João Batista, aquele que
anuncia a vinda do Salvador e mostra
a humildade de ser indigno de beijar
seus pés. São Lucas descreve a Anunciação, a visita de Maria a santa Isabel,
transcreve o "Magnificat", fala do censo romano que coincide com o "completaram-se os dias e ela deu à luz o
seu filho primogênito". Depois descreve os pastores e a multidão dos anjos.
Os catadores de erros dizem que
Dionysius Exiguus calculou errado o
ano do Natal e que o dia 25 de dezembro era o da festa do solstício de inverno. Para mim, não tem erro, era mesmo no dia 25 da minha infância, na
festa simples da minha aldeia, sem luz,
na escuridão das velas, na chuva, entre
trovoadas e relâmpagos, que ele chegava, com a festa das pastorinhas e depois, em janeiro, para desfazer o presépio, a queimação das palhinhas. A
ladainha em latim, puxada (era assim
mesmo que dizíamos) pela Mãe Luiza,
que não sabia os seus anos e apenas a
lenda afirmava ter sido filha de escravos: "Turris ebúrnea, / Domus áurea...". E, no fim, a cantiga de "Queimemos, queimemos, / as nossas palhinhas, / com cravos e rosas, / queimemos a lapinha. / Adeus meu menino, / adeus meu amor. / Até para o
ano / se eu vivo for".
Mas o Menino Jesus ainda vem
criança brincar na Terra. Quem quiser ver, vá a São Luís e acompanhe a
"Natalina da Paixão", cantando "vem,
Jesus Cristinho, / vem Jesus Menino".
E Ele vem.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br
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