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São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 2003

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JOSÉ SARNEY

Políticos no governo

Algumas coisas começam a mudar. A primeira e a mais forte de todas: a reversão de expectativas de que o Brasil iria virar uma Argentina, notícia que em si mesma era uma falsidade. Já temos certeza de que, com o governo atual, não ocorrerá o que aconteceu com De la Rúa. Os compromissos de uma administração responsável, atenta ao déficit público, austeridade nos gastos e responsabilidade fiscal nos oferece segurança de estabilidade. Governar é sobretudo gerar confiança, base da legitimidade. Partido político, pela definição clássica, é um grupo de pressão dentro da sociedade que, ao contrário dos outros grupos, não deseja influenciar o poder, mas exercer o poder.
Pela primeira vez em nossa história, estamos vivendo a experiência de um governo de partido, em que o comando partidário deseja ser o centro hegemônico das decisões. Isso implica a valorização dos políticos, chamados à responsabilidade de comandar a administração pública. Os políticos no Brasil -o que muito ocorre no sistema presidencialista- são sempre tidos como aproveitadores do aparato estatal, mas nunca operadores dele. Em geral, são identificados com a marca de incompetentes. A administração pública é coisa para técnicos, para executivos bem-sucedidos, para iluminados membros da comunidade universitária. Quando as coisas não dão certo, a culpa é dos políticos. O sucesso é sempre dos competentes técnicos. No início do governo Costa e Silva, surgiram movimentos invocando motivações teóricas, em que se pregava que a melhor forma de governar era uma aliança entre empresários e técnicos. Os militares, diplomatas e funcionários do Banco do Brasil eram aceitos no modelo como matriz acessória de bons recursos humanos. Não precisamos tripudiar para dizer que foi um fracasso retumbante, a partir da composição e dos resultados.
Agora, os políticos estão sendo chamados à colação. Este período será uma prova de fogo, a começar pelo ministro Palocci, que vai muito bem, com aplausos de gregos, troianos, xavantes e Saulo Ramos. Os políticos -e há bons e maus como em todo lugar- já foram testados, como é exemplo um órgão difícil e emblemático do país: o Supremo Tribunal Federal. Ali passaram Epitácio Pessoa, Aliomar Baleeiro, Prado Kelly, Bilac Pinto, Adauto Cardoso, para citar só os mortos. Deixaram uma marca indelével de trabalho, competência e honestidade. São tidos como dos maiores membros na história da corte.
A arte da política, já dizia Churchill, é a arte do interesse geral e do bem comum. O marxismo tentou identificá-la essencialmente como luta, motor do progresso das sociedades e caminho que levaria ao fim de todos os antagonismos.
Mas a política é sobretudo a tarefa de harmonizar conflitos, de escolher entre soluções a melhor. E, com a abonação de Alceu Amoroso Lima, "o dever social".
Governar é tarefa política. Quem governa não lida com abstrações, lida com realidades. E o bom político é aquele que deseja melhorar o seu país e a sociedade, tendo no governo seu instrumento de realização.
Um governo de políticos não precisa ter a preocupação de gênios e bem dotados, deve ser um governo de pé no chão, que pense em diminuir desigualdades, distribuir renda, combater a pobreza e os baixos processos administrativos e mesmo políticos. Ter a consciência e o dever moral de suas responsabilidades.
Esse é o mais desafiador teste do momento. Os políticos devem ter presente a dimensão dessa tarefa.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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