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JOSÉ SARNEY
Políticos no governo
Algumas coisas começam a mudar. A primeira e a mais forte de
todas: a reversão de expectativas de
que o Brasil iria virar uma Argentina,
notícia que em si mesma era uma falsidade. Já temos certeza de que, com o
governo atual, não ocorrerá o que
aconteceu com De la Rúa. Os compromissos de uma administração responsável, atenta ao déficit público, austeridade nos gastos e responsabilidade
fiscal nos oferece segurança de estabilidade. Governar é sobretudo gerar
confiança, base da legitimidade. Partido político, pela definição clássica, é
um grupo de pressão dentro da sociedade que, ao contrário dos outros grupos, não deseja influenciar o poder,
mas exercer o poder.
Pela primeira vez em nossa história,
estamos vivendo a experiência de um
governo de partido, em que o comando partidário deseja ser o centro hegemônico das decisões. Isso implica a
valorização dos políticos, chamados à
responsabilidade de comandar a administração pública. Os políticos no
Brasil -o que muito ocorre no sistema presidencialista- são sempre tidos como aproveitadores do aparato
estatal, mas nunca operadores dele.
Em geral, são identificados com a
marca de incompetentes. A administração pública é coisa para técnicos,
para executivos bem-sucedidos, para
iluminados membros da comunidade
universitária. Quando as coisas não
dão certo, a culpa é dos políticos. O sucesso é sempre dos competentes técnicos. No início do governo Costa e Silva, surgiram movimentos invocando
motivações teóricas, em que se pregava que a melhor forma de governar
era uma aliança entre empresários e
técnicos. Os militares, diplomatas e
funcionários do Banco do Brasil eram
aceitos no modelo como matriz acessória de bons recursos humanos. Não
precisamos tripudiar para dizer que
foi um fracasso retumbante, a partir
da composição e dos resultados.
Agora, os políticos estão sendo chamados à colação. Este período será
uma prova de fogo, a começar pelo
ministro Palocci, que vai muito bem,
com aplausos de gregos, troianos, xavantes e Saulo Ramos. Os políticos
-e há bons e maus como em todo
lugar- já foram testados, como é
exemplo um órgão difícil e emblemático do país: o Supremo Tribunal Federal. Ali passaram Epitácio Pessoa,
Aliomar Baleeiro, Prado Kelly, Bilac
Pinto, Adauto Cardoso, para citar só
os mortos. Deixaram uma marca indelével de trabalho, competência e
honestidade. São tidos como dos
maiores membros na história da corte.
A arte da política, já dizia Churchill,
é a arte do interesse geral e do bem
comum. O marxismo tentou identificá-la essencialmente como luta, motor do progresso das sociedades e caminho que levaria ao fim de todos os
antagonismos.
Mas a política é sobretudo a tarefa
de harmonizar conflitos, de escolher
entre soluções a melhor. E, com a abonação de Alceu Amoroso Lima, "o dever social".
Governar é tarefa política. Quem
governa não lida com abstrações, lida
com realidades. E o bom político é
aquele que deseja melhorar o seu país
e a sociedade, tendo no governo seu
instrumento de realização.
Um governo de políticos não precisa ter a preocupação de gênios e bem
dotados, deve ser um governo de pé
no chão, que pense em diminuir desigualdades, distribuir renda, combater
a pobreza e os baixos processos administrativos e mesmo políticos. Ter a
consciência e o dever moral de suas
responsabilidades.
Esse é o mais desafiador teste do
momento. Os políticos devem ter presente a dimensão dessa tarefa.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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