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BORIS FAUSTO
Bush e a guerra
O governo Bush jogou na lata do
lixo a coalizão de apoio ou pelo
menos de simpatia de que gozavam os
Estados Unidos, em todo o mundo
ocidental, depois do trágico ataque
terrorista de 11 de setembro.
Muitos fatores levaram a isso. Entre
eles, a transformação da paciente arte
da diplomacia em ameaças e rotulações depreciativas, mesmo com relação aos amigos. As dúvidas de aliados
europeus foram consideradas desprezíveis e irrelevantes, contribuindo para estabelecer uma fratura onde antes
havia unidade.
Essas afirmações, que para nós podem parecer óbvias, nada têm de óbvias no ambiente americano, onde a
xenofobia -lançada pelo governo no
solo fértil do provincianismo de boa
parte da população americana- ganhou impulso, não só contra os árabes, mas contra as "nações reticentes",
em particular a França.
Daí a importância da crítica à política do governo Bush, quando parte de
vozes internas e, especialmente, de
um membro do establishment como
o senador Robert Byrd, que não é nenhum intelectual neo-anarquista ou
pacifista ingênuo, embora seja, por
sua biografia, uma figura excepcional.
Nascido em 1917, filho de um mineiro
e casado com a filha de um mineiro de
carvão, Byrd percorreu os caminhos
da ascensão social e entrou na vida política, elegendo-se sucessivamente senador por Virginia Ocidental desde
1958.
Em discurso proferido no Senado, o
senador Byrd denunciou, sem meias
palavras, o comportamento da maioria de seus pares. Não há debate, não
há discussão nessa Casa do Congresso
-disse ele -, não há ao menos uma
tentativa de apresentar à nação os
prós e os contras da guerra do Iraque.
Isso é tanto mais grave quando estamos diante do primeiro teste de uma
nova e infeliz doutrina -a da guerra
preventiva.
Lembrando o exemplo muito menos complicado do Afeganistão, Byrd
se pergunta se ainda não aprendemos
que, depois de ganhar uma guerra,
precisamos assegurar a paz. E indaga
se os Estados Unidos vão se transformar em uma força de ocupação ou
instalar no poder um governo iraquiano pós-Saddam, não se sabe formado
por quem. Levanta ainda uma série de
outras dúvidas sobre os riscos de a
guerra inflamar o mundo islâmico,
sobre o possível ataque a Israel e uma
retaliação devastadora, sobre a possibilidade de uma recessão mundial,
provocada pelo descontrole das principais fontes de fornecimento de petróleo etc.
Não se trata de afirmar que a hipótese de uma guerra contra Saddam Hussein deva ser excluída em qualquer
circunstância, mas sim de que todas as
possibilidades de neutralizar o ditador
iraquiano devam ser contempladas,
antes de se chegar a um recurso extremo, a partir de um consenso básico na
ONU.
Infelizmente, a esta altura, nem as
manifestações em todo o mundo ocidental, nem as importantes discordâncias no âmbito da União Européia,
nem vozes isoladas como a do senador Byrd, parecem ter força para mudar a conjuntura. Em poucas palavras,
a guerra continua iminente.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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