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São Paulo, segunda-feira, 24 de fevereiro de 2003

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BORIS FAUSTO

Bush e a guerra

O governo Bush jogou na lata do lixo a coalizão de apoio ou pelo menos de simpatia de que gozavam os Estados Unidos, em todo o mundo ocidental, depois do trágico ataque terrorista de 11 de setembro.
Muitos fatores levaram a isso. Entre eles, a transformação da paciente arte da diplomacia em ameaças e rotulações depreciativas, mesmo com relação aos amigos. As dúvidas de aliados europeus foram consideradas desprezíveis e irrelevantes, contribuindo para estabelecer uma fratura onde antes havia unidade.
Essas afirmações, que para nós podem parecer óbvias, nada têm de óbvias no ambiente americano, onde a xenofobia -lançada pelo governo no solo fértil do provincianismo de boa parte da população americana- ganhou impulso, não só contra os árabes, mas contra as "nações reticentes", em particular a França.
Daí a importância da crítica à política do governo Bush, quando parte de vozes internas e, especialmente, de um membro do establishment como o senador Robert Byrd, que não é nenhum intelectual neo-anarquista ou pacifista ingênuo, embora seja, por sua biografia, uma figura excepcional. Nascido em 1917, filho de um mineiro e casado com a filha de um mineiro de carvão, Byrd percorreu os caminhos da ascensão social e entrou na vida política, elegendo-se sucessivamente senador por Virginia Ocidental desde 1958.
Em discurso proferido no Senado, o senador Byrd denunciou, sem meias palavras, o comportamento da maioria de seus pares. Não há debate, não há discussão nessa Casa do Congresso -disse ele -, não há ao menos uma tentativa de apresentar à nação os prós e os contras da guerra do Iraque. Isso é tanto mais grave quando estamos diante do primeiro teste de uma nova e infeliz doutrina -a da guerra preventiva.
Lembrando o exemplo muito menos complicado do Afeganistão, Byrd se pergunta se ainda não aprendemos que, depois de ganhar uma guerra, precisamos assegurar a paz. E indaga se os Estados Unidos vão se transformar em uma força de ocupação ou instalar no poder um governo iraquiano pós-Saddam, não se sabe formado por quem. Levanta ainda uma série de outras dúvidas sobre os riscos de a guerra inflamar o mundo islâmico, sobre o possível ataque a Israel e uma retaliação devastadora, sobre a possibilidade de uma recessão mundial, provocada pelo descontrole das principais fontes de fornecimento de petróleo etc.
Não se trata de afirmar que a hipótese de uma guerra contra Saddam Hussein deva ser excluída em qualquer circunstância, mas sim de que todas as possibilidades de neutralizar o ditador iraquiano devam ser contempladas, antes de se chegar a um recurso extremo, a partir de um consenso básico na ONU.
Infelizmente, a esta altura, nem as manifestações em todo o mundo ocidental, nem as importantes discordâncias no âmbito da União Européia, nem vozes isoladas como a do senador Byrd, parecem ter força para mudar a conjuntura. Em poucas palavras, a guerra continua iminente.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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