São Paulo, sábado, 24 de março de 2007

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Épica decisão

Subterfúgios e argumentos ridículos colocam de novo em pauta aumento absurdo no salário parlamentar

ATÉ QUE ELES se controlaram. Durante semanas, o crônico tema do reajuste salarial dos parlamentares ficou em segundo plano. Volta agora com novo ímpeto, a que se adicionam doses de matreira discrição.
A sala da Comissão de Justiça e Finanças da Câmara já estava quase vazia, nesta quinta-feira, quando seu presidente, Virgílio Guimarães (PT-MG), aprovou um reajuste de 26,5% nos vencimentos do presidente da República, do vice, dos ministros de Estado e dos congressistas.
Além disso, os seis deputados presentes à sessão puseram à disposição dos parlamentares uma verba de R$ 5.416 para gastos extras, dos quais não precisam prestar contas. Na prática, seus vencimentos subiriam a R$ 21.600, reajuste de 68,8%.
A proposta passará ainda por algumas tramitações regimentais antes de ser submetida ao plenário. Candidato derrotado à Presidência da Câmara, nas eleições que consagraram Severino Cavalcanti, o deputado Virgílio Guimarães confia agora no respaldo de seus pares.
Trata-se, afirma, de uma reivindicação corrente no Congresso. "É o sujeito que pega um táxi", explica, "e esquece de pedir a nota. Imagine essa situação desagradável de um deputado ter que aumentar uma nota para compensar a outra."
Não se cometa a impropriedade de perguntar se algum deputado se prestaria a um comportamento tão antiético quanto o cogitado por Virgílio Guimarães. O fato é que, depois da escandalosa tentativa de aumentar em 91% os vencimentos parlamentares, frustrada pelo movimento de indignação da opinião pública, expedientes capciosos prolongam a impopularíssima novela.
Ou seria melhor qualificá-la de epopéia? Na ótica do presidente Lula, são "heróis" os ministros que se contentam com o salário de R$ 8,4 mil mensais atualmente em vigor. Não foram esquecidos: passariam a receber R$ 10,6 mil pela proposta.
Há espaço, de qualquer forma, para que um formidável exército de heróis se esconda nesse cavalo de Tróia legislativo. Calculado o efeito em cascata sobre os parlamentares dos Estados e municípios, eleva-se a R$ 556 milhões anuais o butim a ser subtraído dos cofres públicos.
Não convém estender demasiado o paralelo com a epopéia clássica. Foi pela beleza de Helena, e não pela flexibilidade nas despesas de táxi, que os heróis antigos recorreram ao expediente fabuloso do cavalo de madeira. Ainda assim, o apreço pela estética não está ausente da política nacional. A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, por exemplo, nomeou para sua assessoria de gabinete uma cabeleireira e uma esteticista.
Revogou-se em seguida a decisão: tratava-se de "equívoco administrativo". Com efeito, bem mais que artifícios convencionais de cosmética seria necessário para recuperar a imagem dos políticos brasileiros.


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