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Épica decisão
Subterfúgios e argumentos ridículos colocam de novo em pauta aumento absurdo no salário parlamentar
ATÉ QUE ELES se controlaram. Durante semanas, o crônico tema do
reajuste salarial dos
parlamentares ficou em segundo
plano. Volta agora com novo ímpeto, a que se adicionam doses de
matreira discrição.
A sala da Comissão de Justiça e
Finanças da Câmara já estava
quase vazia, nesta quinta-feira,
quando seu presidente, Virgílio
Guimarães (PT-MG), aprovou
um reajuste de 26,5% nos vencimentos do presidente da República, do vice, dos ministros de
Estado e dos congressistas.
Além disso, os seis deputados
presentes à sessão puseram à
disposição dos parlamentares
uma verba de R$ 5.416 para gastos extras, dos quais não precisam prestar contas. Na prática,
seus vencimentos subiriam a R$
21.600, reajuste de 68,8%.
A proposta passará ainda por
algumas tramitações regimentais antes de ser submetida ao
plenário. Candidato derrotado à
Presidência da Câmara, nas eleições que consagraram Severino
Cavalcanti, o deputado Virgílio
Guimarães confia agora no respaldo de seus pares.
Trata-se, afirma, de uma reivindicação corrente no Congresso. "É o sujeito que pega um táxi", explica, "e esquece de pedir a
nota. Imagine essa situação desagradável de um deputado ter
que aumentar uma nota para
compensar a outra."
Não se cometa a impropriedade de perguntar se algum deputado se prestaria a um comportamento tão antiético quanto o cogitado por Virgílio Guimarães. O
fato é que, depois da escandalosa
tentativa de aumentar em 91% os
vencimentos parlamentares,
frustrada pelo movimento de indignação da opinião pública, expedientes capciosos prolongam
a impopularíssima novela.
Ou seria melhor qualificá-la de
epopéia? Na ótica do presidente
Lula, são "heróis" os ministros
que se contentam com o salário
de R$ 8,4 mil mensais atualmente em vigor. Não foram esquecidos: passariam a receber R$ 10,6
mil pela proposta.
Há espaço, de qualquer forma,
para que um formidável exército
de heróis se esconda nesse cavalo de Tróia legislativo. Calculado
o efeito em cascata sobre os parlamentares dos Estados e municípios, eleva-se a R$ 556 milhões
anuais o butim a ser subtraído
dos cofres públicos.
Não convém estender demasiado o paralelo com a epopéia
clássica. Foi pela beleza de Helena, e não pela flexibilidade nas
despesas de táxi, que os heróis
antigos recorreram ao expediente fabuloso do cavalo de madeira.
Ainda assim, o apreço pela estética não está ausente da política
nacional. A governadora do Pará,
Ana Júlia Carepa, por exemplo,
nomeou para sua assessoria de
gabinete uma cabeleireira e uma
esteticista.
Revogou-se em seguida a decisão: tratava-se de "equívoco administrativo". Com efeito, bem
mais que artifícios convencionais de cosmética seria necessário para recuperar a imagem dos
políticos brasileiros.
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