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RUY CASTRO
Gol contra
RIO DE JANEIRO - Quando Pelé
fez seu milésimo gol, no Maracanã,
em 1969, sua frase após beijar a bola foi: "Pensem nas criancinhas!".
No futuro, o que Pelé faria por suas
próprias criancinhas seria problema dele. Mas as criancinhas a que
ele se referiu naquela noite eram,
ou deveriam ser, problema nosso.
Em certos círculos, havia uma
forte prevenção contra Pelé. Ele
não "se colocava" politicamente,
não falava contra a ditadura e era
casado com uma branca. Não importava que fosse Pelé -não era
bastante. Teria de ser também irado como Muhammad Ali, Miles Davis ou os Panteras Negras. O milésimo gol, diante da selva de microfones, seria a sua chance. Mas, em vez
de dar uma banana para o mundo
branco ou gritar "Xô!" para os militares, Pelé fez o famoso apelo pelas
criancinhas.
Em 1969, não se pregava o assistencialismo impunemente. Era
preciso pregar a revolução. Os intelectuais ridicularizaram Pelé. Mas
os governos, a quem competia seguir o conselho dele, também não
se mexeram. O Brasil insistiu em
fazer gol contra.
Isso foi há 38 anos. Se tinham 10
anos de idade em 1969, as crianças
a que Pelé se referiu devem ter sido
pais ou mães em 1979, por volta dos
20. Por sua vez, essas crianças de
1979 também devem ter sido pais
ou mães em 1999 e aí já estamos falando dos netos das crianças em
que Pelé nos mandou pensar. Esses
netos, hoje perto dos 10 anos, podem ser vistos nas ruas do país,
agonizando pela ação do crack e da
cola. Ou, armados, rindo da autoridade e nem aí para a vida e a morte,
deles ou nossa.
Romário, às portas de seu milésimo gol, é mais realista que o "rei".
Por conhecer melhor o Brasil, não
está propondo uma cruzada nacional pelas crianças. Limitou-se às
que, como sua filha, têm a síndrome de Down. E só pediu amor.
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