São Paulo, sábado, 24 de março de 2007

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FERNANDO GABEIRA

Battisti no Brasil

OS ANOS 60 voltam em dois momentos. O primeiro deles foi a reportagem sobre o livro "Bicicleta Branca", no "Herald Tribune". Seu autor, Joey Boyd, foi um grande produtor musical no período. O título é uma referência à tentativa dos Provos, um grupo de esquerda holandês, de dar bicicletas a todos. Com o tempo, as bicicletas brancas foram roubadas e pintadas.
A prisão de Cesare Battisti no Brasil é outra volta. Desta vez, não só romântica como as bicicletas.
Na França, onde esteve asilado, o caso Battisti é importante. Os três principais candidatos à Presidência manifestaram-se sobre a prisão. O da direita comemorou, a da esquerda esquivou-se, e o do centro, François Bayrou, assumiu a posição digna: o direito europeu garante o pleno direito de defesa.
Battisti inspirou dois livros. Um de Fred Vargas, famosa escritora de romances policiais, apontando os erros do processo contra Battisti. E também um de Guillaume Perrault, com o título "Geração Battisti".
A tese de Perrault é a de que Battisti representa a consciência pesada da geração de 68, pois seu pesadelo, escapar pelo mundo, poderia acontecer com qualquer um.
Acontece que Battisti foi agraciado pela doutrina Miterrand, que aceitava os refugiados dos anos de chumbo na Itália desde que renunciassem à violência. Miterrand não é da geração de 68, nem estava movido por nenhuma culpa. Creio que pensava em ajudar a Itália a superar uma fase tão conturbada.
Sem uma jurisprudência, tratando caso por caso, o Brasil vai no mesmo sentido de Miterrand, pois já aceitou três refugiados italianos cujas extradições foram pedidas. Hoje, vivem em harmonia na sociedade brasileira; de vez em quando, visitam a família na Itália.
Existe uma clara diferença entre a esquerda francesa e a italiana.
Perrault acha esta mais moderna, pois rejeita qualquer tipo de romantismo com a luta armada e é mais severa com Battisti. Mesmo aqui, seus argumentos são fracos, pois Bernard Henry-Levy, defensor de Battisti, e Bayrau não são de esquerda.
Depois da prisão, virá um sereno debate jurídico. Seus crimes foram ou não políticos? Deve-se extraditar alguém condenado in absentia, num período de leis especiais? É possível dispensar o pleno direito de defesa?
É um desafio para a Justiça brasileira: decidir sobre uma questão que dividiu dois países durante tanto tempo. Ela tem acúmulo teórico para dar resposta à altura. E encerrar uma época.


assessoria@gabeira.com.br

FERNANDO GABEIRA
escreve aos sábados nesta coluna.


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