São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

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NEM TUDO SÃO SOMBRAS

Encarar o assassinato do vice-presidente do Paraguai, Luís María Argaña, apenas como um episódio de violência política relativamente comum ao subdesenvolvimento seria minimizar demais a temperatura política na América Latina.
Há uma sequência de episódios que demonstram que ainda é ralo o enraizamento da democracia em uma região em que, até meados dos anos 80, regimes de exceção eram a regra.
Para ficar nos mais recentes: a Venezuela elegeu, no fim do ano passado, um coronel com antecedentes golpistas, Hugo Chávez, e promessas do mais candente populismo, fenômeno político, aliás, que é periodicamente dado por morto apenas para ressuscitar, vigoroso.
No Equador, o governo viu-se obrigado a decretar estado de emergência e a declarar feriado bancário durante uma semana inteira, para conter protestos e o pânico decorrentes da turbulência financeira.
No caso do Chile, por fim, será conhecida hoje a sentença dos lordes ingleses a respeito do destino do ex-ditador Augusto Pinochet. Qualquer que seja o resultado, há a perspectiva de manifestações que apenas porão em evidência, outra vez, a profunda divisão da sociedade chilena, mesmo praticamente dez anos após encerrado o período autoritário.
Se a instabilidade que tais eventos demonstram é sempre inquietante, há um lado positivo: nenhum dos países que enfrentou turbulências, mesmo graves, optou, até agora, por soluções extra-constitucionais.
Até o coronel Chávez teve que trocar os tanques pelas urnas como caminho para chegar ao poder, o que é um formidável avanço quando se considera a história latino-americana, recheada de golpes e violências institucionais de toda ordem.
Se também o Paraguai, talvez o elo mais frágil na cadeia de democracias latino-americanas, atravessar incólume o grave episódio de ontem, talvez se possa dizer que a era das anomalias institucionais esteja chegando ao fim na América Latina.



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