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CARLOS HEITOR CONY
Geografia do sonho
RIO DE JANEIRO - Séculos antes de
Sigmund Freud e Allan Kardec, os sonhos tentaram explicar as cavernas
onde o ser humano habita, escondido
de todos e de si mesmo.
Na cultura ocidental cristã, o documento mais antigo e razoavelmente
confiável seria o relato bíblico, povoado de sonhos, como os de Jacó,
que lutou com um anjo e por isso se
tornou Israel. José decifrou o sonho
do faraó e até mesmo o outro José,
que, em sonho, foi aconselhado a fugir da matança ordenada por Herodes.
A "Divina Comédia", um dos
maiores poemas da humanidade,
não deixa de ser um sonho em que
Dante visitou o inferno, o purgatório
e o paraíso. A mulher de César teve
um sonho esquisito e pediu que o marido não fosse ao Foro naqueles idos
de março. A mulher de Pilatos também teve um sonho e pediu ao procurador romano que evitasse a condenação do Nazareno.
Citei exemplos notáveis, mas cada
um de nós tem uma velha conta a
ajustar com os sonhos que nos frequentam desde os primeiros anos de
vida. Quando os recém-nascidos choram, sempre se pensa que eles estão
famintos ou incomodados com as
fraldas molhadas. A hipótese de sonhos terríveis e premonitórios nunca
é levada em consideração.
Houve tempo em que não gostava
dos sonhos. Uns pelos outros, eram
angustiantes, mesmo quando não
eram pesadelos. Ultimamente, estou
gostando de sonhar, qualquer coisa
serve. Descobri tardiamente que eles
me transportam no tempo e no espaço, ao passado e ao futuro, vejo paisagens deslumbrantes e absurdas, convivo com pessoas que não mais existem, parentes, amigos e até mesmo
desconhecidos, que, no sonho, se tornam conhecidos.
Não dou bola para o significado dos
sonhos. Se a vida em si não significa
nada, não posso exigir sentido da
geografia e da história, que, sem pedir licença, me visitam a cada noite.
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