São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2006

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Educação: tentando sair do discurso

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

O objetivo é, usando a cidade de São Paulo como exemplo e a experiência de gerir a educação durante um ano e três meses, propiciar ao leitor a complexidade da questão e a possibilidade de boas soluções. A educação tinha sido o carro chefe do PT na campanha -pelos CEUs construídos para 5% de crianças. O que encontramos, entretanto, foram: dívidas que paralisaram tudo; 54 escolas de lata; 8.000 professores a menos, sem aumento de salário há 14 anos; salas de aula superlotadas; escolas com três turnos diurnos sem reformas; apenas 5% dos alunos em nível adequado de aprendizado e, no ensino infantil, demanda reprimida.
Tínhamos um projeto pronto, discutido e aprovado pelo prefeito José Serra. O colocamos em discussão em todos os níveis da rede, em 24 de fevereiro de 2005 foi publicado, e iniciamos sua implantação com dois objetivos: recuperação da rede, qualidade e construção social do ensino.
Substituímos todas as escolas de lata com diminuição de custo de 30% por metro quadrado, construímos 12 escolas novas e 242 novas salas de aula, acrescentando 70.000 vagas. Reformamos 40% das escolas e pintamos todas, criando um ambiente ordenado, limpo e estético. A estética é amiga da ética (Wittgenstein).
As mães trabalhadoras hoje têm mais lugares em creches. O prefeito descentralizou o orçamento para as coordenadorias e para as escolas. Entregamos kits escolares e uniformes, acrescidos de tênis, na primeira semana de aula, com R$ 4 milhões de economia; rompemos o monopólio do "Leve Leite", que passou a ser entregue, também nas férias, com R$ 40 milhões de economia.


Inovações criam incômodos, especialmente para os que se acomodaram com uma educação pobre para os pobres

Tonia Carrero, Regina Duarte, Regina Braga, Denise Stoklos, Fortuna Safdie, Eliana Gutman percorreram todos os CEUs com seus espetáculos, a periferia tem acesso a cultura de qualidade. Implantamos a avaliação dos alunos. Incorporamos 26 balneários semi-abandonados, cujas áreas são maiores que as dos CEUs, e os transformamos com um custo mínimo em Escolas Municipais Integradas (EMIs), que abrigam o pós-aula de sete a dez escolas do entorno. Essas unidades, somadas aos CEUs, não mais servirão a 5% das crianças, mas a 50% delas.
Para melhorar a qualidade e dar construção social ao ensino, dois projetos pedagógicos foram prioritários. O "Ler e Escrever" foi montado em 2005 e iniciou-se neste ano com dois professores (um, auxiliar) nas classes de primeiro ano, para garantir aí a alfabetização, cinco livros distribuídos para alunos, pais e professores e capacitação intensiva destes últimos.
O resultado do aprendizado é cada vez melhor nas escolas privadas, e pior nas públicas (Saeb). É difícil explicar esse abismo somente pelo que acontece dentro da escola (até os professores são os mesmos). É preciso um olhar propedêutico, holístico e solidário para as crianças, verificando o que elas fazem no pós-aula. As do ensino privado: reforço, esportes, arte, informática, teatro, música, pais leitores, livros em casa, viagens etc. As nossas: ausência de livros e dos pais em casa, não há reforço, não há aulas complementares de nada. As ruas da periferia e a TV são o seu pós-escola; os traficantes bem sucedidos, paradigmas e professores. Daí a necessidade de abrir o "guarda-chuva" da educação o dia inteiro, sem esperar o tempo e o dinheiro -que nunca chegam- para construção de novos espaços, mas usar os existentes e os da cidade.
Esse é o conceito de cidade educadora e a origem do "São Paulo é uma escola". Formamos 1.300 educadores comunitários. Os professores entenderam a lógica do processo. Cada escola fez seu projeto pedagógico, inserindo o programa na escola e no seu entorno com estudantes universitários e oficineiros. Cento e noventa mil crianças já participaram, total ou parcialmente, em 2005, e pretendemos dobrar em 2006. Inovações geram mudanças que criam incomodidades, especialmente para aqueles que se acomodaram com uma educação pobre para os pobres.
José Serra, Gilberto Kassab e Alexandre Schneider participaram ativamente de tudo, não há risco de interrupção dessa política educacional. Ao final deste mandato, poderemos ter um novo e promissor paradigma da educação em São Paulo e, talvez, um bom modelo para o país.

José Aristodemo Pinotti, 71, professor titular aposentado de ginecologia da USP, é deputado federal. Foi secretário da Educação do município de São Paulo na gestão José Serra (2005-2006).

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