São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Em respeito ao leitor e à biblioteca

JOSÉ CASTILHO MARQUES NETO

Volto a este notável espaço da Folha para rebater as críticas de Marco Antonio Villa ("O futuro de uma biblioteca", pág. A3, 9/6). Mas, ao contrário do articulista, não farei acusações pessoais, como não o fiz em minha primeira resposta. Como naquele artigo, reafirmo que as acusações desse senhor são irresponsáveis, por veicularem "informações" que não refletem a verdade sobre o estado atual da Biblioteca Mário de Andrade.
A falsidade das afirmações de que a biblioteca está "destruída" ou "à míngua" foi demonstrada por matéria jornalística desta Folha, publicada em 7/6, na pág. E4 ("Reforma deve resgatar Mário de Andrade"), que afirma que "não é correta a idéia de que a BMA está em colapso. O repórter da Folha a visitou na sexta à tarde, anonimamente. Havia 34 pessoas na sala de leitura. Xerox e leitoras de microfilmes funcionavam sem problemas. Os banheiros estavam limpos, e funcionavam só dois dos quatro computadores conectados à internet (...) A seção dos 47 mil livros e obras raras permanece aberta".


Há um projeto sério em andamento, no qual o caos acumulado ainda convive com as melhorias já realizadas


Fazendo ouvidos moucos à minha resposta e à matéria, o articulista volta a atacar, com novas afirmações inacuradas, pondo sob suspeição os números apresentados de aumento da freqüência e insinuando que a direção da biblioteca foi omissa em relação ao furto de livros do Museu Nacional. Além de as estatísticas estarem à disposição, foram identificados como do acervo da BMA três volumes da revista "Moto Revue" que não pertenciam ao setor de raros e que estavam desaparecidos desde os idos de 1980. Contraditoriamente, o articulista cobra menos rigor à entrada no setor de obras raras e critica o "acesso restringido"! Ora, além de ser norma básica internacional para a correta qualificação de pesquisadores, a triagem serve também para cumprir regras de proteção.
Dois parâmetros de ação estratégica, que denotam a política adotada nos últimos anos, contrastam com as propostas elementares apresentadas pelo autor do artigo.
Em primeiro lugar, o estado caótico em que estava a biblioteca demandou decisões que nos colocavam, enquanto administradores públicos, numa encruzilhada entre uma ação demagógica e de curto prazo (como comprar alguns livros e pintar o edifício) e outra, de interesse público, correta tecnicamente, mas sem grandes efeitos mediáticos. Escolhemos a segunda via e o projeto de recuperação previu ações emergenciais (como a instalação de telefonia), ações de médio prazo (como reforma hidráulica, informatização, digitalização) e de longo prazo, materializada no projeto Ação Centro/Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), envolvendo reforma e ampliação predial e investimento em acervos e serviços.
As ações de curto e médio prazo ou já estão concluídas ou se encontram em fase de conclusão neste 2004. O projeto BID, só formalizado neste mês, estará todo equacionado para que a diretoria da BMA o execute na próxima gestão municipal. Detalhes dessas ações seriam repetitivos, pois os expus na resposta anterior, mas é importante que o leitor saiba que há um projeto sério em andamento, no qual o caos acumulado ainda convive com as melhorias já realizadas.
Em segundo, somente na mal-intencionada visão do articulista se poderia supor o programa Colégio de São Paulo como "atividade-fim da BMA". Trata-se de programa especial, nos moldes de uma universidade aberta, que contribui para recuperar antiga tradição, tornando seu auditório um lugar dinâmico de transmissão e discussão de saberes. Uma enquete sumária com os milhares de beneficiários diretos mostraria a quem quisesse ver a enorme função social do programa e sua eficácia na revitalização da Mário de Andrade como um dos eixos desse centro paulistano renascido.
A BMA não pode ser concebida restritamente como templo para iniciados. Somente como espaço público vital na metrópole é que sua preciosa coleção bibliográfica voltará a ser devidamente reconhecida pelos cidadãos.
O ataque violento do articulista à intelectualidade brasileira guarda laivos de preconceito autoritário, esse sim comum em ditaduras à direita e à esquerda. O amplo espectro ideológico, temático, acadêmico dos mais de 200 intelectuais que já proferiram aulas no Colégio de São Paulo -Delfim Netto, Antonio Negri, Rubens Ricupero, Marilena Chaui- demonstra o facciosismo, que se destila no destempero verbal de seu texto, acusando-me de acúmulo de empregos. Como servidor público, é meu dever informar que estou legalmente afastado da docência na Unesp e exerço o cargo de diretor geral da BMA e da Editora Unesp sem acúmulo de vencimentos. Pouparei o leitor da resposta ao ataque pueril de que sou um Vishinski e outras barbaridades iguais.
A atual gestão da BMA não forjou base política nem benesses, mas tem ampliado a inclusão cultural e os benefícios da vida inteligente para milhares de cidadãos, de moradores em situação de rua a doutores, de camelôs a estudantes universitários, de adolescentes à terceira idade. São esses os verdadeiros donos da Mário de Andrade!

José Castilho Marques Neto, 50, professor doutor de filosofia política na Unesp, é diretor geral da Biblioteca Mário de Andrade e presidente da Fundação Editora da Unesp.


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