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Sabores da cidade
ANTONIO CARLOS DE FARIA
Rio de Janeiro - Um convite de restaurante chegou pelo correio. Mais
precisamente, um convite num cartão-postal cuja ilustração é uma cena
silvestre: uma ave pequena em meio à
vegetação baixa, um bico fino.
Na forma e no meio, o convite evoca
um Rio do passado. O tom pastel lembra velhas fotografias, o selo é quase
um anacronismo aposentado pela Internet e pelo fax.
Talvez seja essa mesma a intenção.
O restaurante é um símbolo remanescente dos fins dos anos 50. Tempos de
efervescência com a bossa nova, o desenvolvimentismo de Juscelino, a glória da primeira conquista de uma Copa do Mundo.
Deixar-se levar pela sedução em sépia do cartão seria reencontrar esse
Rio dos anos dourados. A comida
francesa, em Copacabana. Novamente
a dualidade entre forma e meio como
lembrança de outras épocas.
O texto gentil do convite reforça o
fascínio nostálgico e mostra que, se o
lugar tem raízes na França, já é agora
uma casa carioca.
As palavras falam numa "cuisine
française" dirigida por um "chef" e
um "restauranteur", ambos com nomes brasileiros. Completando, o "maître" tem um nome estrangeiro.
Essa é a receita de outros estabelecimentos da cidade, que, sejam italianos, japoneses ou de qualquer outra
nacionalidade, quase sempre têm um
cearense a lhes sustentar a reputação e
alguém de outro país dando um verniz
de autenticidade.
Quem conhece os velhos botequins e
restaurantes locais, alguns com mais
de cem anos, sabe que a tônica das cozinhas desses lugares é uma mistura
abrasileirada de várias influências européias, mostrando a fusão das culturas de seus sucessivos proprietários.
Essa miscigenação de paladares antigos e mais recentes reflete a contínua
atração exercida pela cidade, onde todas as influências se juntam, perdendo parcelas de suas cores originais.
Fazer parte do Rio é aceitar e querer
essa homogeneização. O sabor carioca
é um projeto de brasilidade.
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