São Paulo, sexta, 24 de julho de 1998

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Sabores da cidade

ANTONIO CARLOS DE FARIA

Rio de Janeiro - Um convite de restaurante chegou pelo correio. Mais precisamente, um convite num cartão-postal cuja ilustração é uma cena silvestre: uma ave pequena em meio à vegetação baixa, um bico fino.
Na forma e no meio, o convite evoca um Rio do passado. O tom pastel lembra velhas fotografias, o selo é quase um anacronismo aposentado pela Internet e pelo fax.
Talvez seja essa mesma a intenção. O restaurante é um símbolo remanescente dos fins dos anos 50. Tempos de efervescência com a bossa nova, o desenvolvimentismo de Juscelino, a glória da primeira conquista de uma Copa do Mundo.
Deixar-se levar pela sedução em sépia do cartão seria reencontrar esse Rio dos anos dourados. A comida francesa, em Copacabana. Novamente a dualidade entre forma e meio como lembrança de outras épocas.
O texto gentil do convite reforça o fascínio nostálgico e mostra que, se o lugar tem raízes na França, já é agora uma casa carioca.
As palavras falam numa "cuisine française" dirigida por um "chef" e um "restauranteur", ambos com nomes brasileiros. Completando, o "maître" tem um nome estrangeiro.
Essa é a receita de outros estabelecimentos da cidade, que, sejam italianos, japoneses ou de qualquer outra nacionalidade, quase sempre têm um cearense a lhes sustentar a reputação e alguém de outro país dando um verniz de autenticidade.
Quem conhece os velhos botequins e restaurantes locais, alguns com mais de cem anos, sabe que a tônica das cozinhas desses lugares é uma mistura abrasileirada de várias influências européias, mostrando a fusão das culturas de seus sucessivos proprietários.
Essa miscigenação de paladares antigos e mais recentes reflete a contínua atração exercida pela cidade, onde todas as influências se juntam, perdendo parcelas de suas cores originais. Fazer parte do Rio é aceitar e querer essa homogeneização. O sabor carioca é um projeto de brasilidade.



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