São Paulo, Sábado, 24 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FRATURAS EXPOSTAS

Não tem sido por falta de estatísticas, nas últimas décadas, que o país teria deixado de perceber a dimensão de suas iniquidades sociais, se é que eram necessários números para perceber algo que é tão lamentavelmente típico da paisagem brasileira. Mas, neste mês de julho, houve um bombardeio contínuo de relatórios de organismos internacionais a respeito da desigualdade social, das carências em saúde e educação no Brasil.
O primeiro balanço amargo do período veio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano, que reclassificou o país no ranking da qualidade de vida.
O indicador sofreu correção metodológica. Antes atribuía peso demasiado à renda média de um país no cálculo desse número-síntese da situação social de cada nação, em detrimento de índices de saúde e educação. Como o Brasil é injusto também nessas áreas, não basta renda média até considerável para colocá-lo em boa posição na lista do bem-estar.
Em seguida, o Fundo das Nações Unidas para a Infância registrou que o país não deve cumprir dez de 19 metas de melhoria social estipuladas em 1990. O pior resultado brasileiro foi justamente em mortalidade materno-infantil e desnutrição, indícios tanto de desigualdade de renda como de falta de acesso da população mais pobre a serviços básicos de saúde.
Agora mais um estudo do Unicef, embora menos angustiante que os demais, mostra que a situação social da infância no Brasil é semelhante à de países mais pobres e conturbados como o Paraguai. Cerca de uma em cada quatro crianças brasileiras nasce em famílias que vivem com pouco mais do que R$ 2 por dia (isso mesmo, dois reais); uma em cinco terá pais analfabetos, diz o Unicef.
Ainda pior, os benefícios sociais decorrentes da estabilização da economia, especialmente no que diz respeito à redução da fome, que haviam sido significativos até 1997, vêm desaparecendo desde então.
Mas, em vez de projeto sério e estruturado para lidar com problema técnica e politicamente tão complexo, a sensação de ainda mais profundo horror diante desse cenário é manipulada e alimenta populismo dos mais simplórios. Que a opinião pública registre com asco o nome daqueles que, jamais compromissados com o combate à pobreza, pretendem lustrar sua carreira e ambições políticas com oportunismo social.


Texto Anterior: Editorial: TOLERÂNCIA E HUMANIDADE
Próximo Texto: Editorial: MÉRITO NA PESQUISA

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.