São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O sol também se levanta

RIO DE JANEIRO - Muitos não compreenderam a perplexidade dos altos burocratas da antiga União Soviética por ocasião da morte de Stálin. Um deles, o próprio Kruschev, que o sucederia no poder, confessou o seu receio de que o sol, no dia seguinte, não se levantaria de seu túmulo e não iluminaria o santo chão da santa Rússia. Se um califa do porte de Kruschev temia este Dia de Trevas, imagine-se o pavor do mujique que ao longo das vastas estepes acreditava sinceramente que Stálin fazia o mundo girar e o sol nascer.
Quando morreu Chagall, o fotógrafo Frederico Mendes ligou-me, apavorado: "E agora? O que vai ser de nós?". De certa forma, ele também achava que o sol não mais nasceria para nos esquentar e iluminar.
Lembro os dois fatos por causa do dia de hoje. Em 1954, num 24 de agosto, Getúlio Vargas suicidava-se no Palácio do Catete. Acredito que não fui o único brasileiro que, no primeiro instante, duvidou de que o sol se levantaria no dia seguinte.
Não vai nisso nenhuma veneração, nenhum respeito especial pelo caudilho que nos governou durante 20 anos. Mas de tal maneira estávamos habituados a ele e ele a nós que a sua morte foi um clarão às avessas, um raio de treva que nos mergulhou na escuridão, na incerteza do dia de amanhã.
Seus próprios adversários, aqueles que desejavam destruí-lo, ficaram atônitos, desorientados, sem saber se deveriam festejar ou lamentar aquele tiro que estraçalhou o coração do antigo ditador.
Por falar em ditador, quando mataram César, pelo menos Marco Antônio, antes daquele discurso que Shakespeare escreveu para ele, deve ter duvidado de que o mundo continuaria o mesmo. Botou a culpa nos homens honrados que conspiraram contra o seu amigo -e tudo continuou na mesma, o sol não tomou conhecimento dos espantos e das dores dos homens.


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