São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sairão da Rio+10 propostas concretas?

SIM

Mas nem tudo serão rosas

JOSÉ GOLDEMBERG

Apesar da atmosfera geral de desânimo em relação à conferência de Johannesburgo, que marca o décimo aniversário da conferência do Rio, em 1992, há motivos para crer que algo de bom resultará dela.
É evidente que a conferência foi muito mal preparada e muitos ambientalistas têm razão quando argumentam que o proposto "Plano de Ação", que deverá ser adotado pelos delegados ou representantes de 173 países do mundo, foi escrito numa linguagem denominada "UN-ese", em que todas as frases têm qualificações tão complexas que se tornam praticamente ininteligíveis.
Por trás dessa linguagem se esconde o problema fundamental da conferência: muitos países ricos, principalmente os Estados Unidos, tentam evitar compromissos concretos. E as nações pobres, sobretudo da África, anseiam por ajuda e se recusam a aceitar qualquer responsabilidade pelos problemas que afetam hoje a sustentabilidade do planeta.
O secretariado da conferência contribui muito para a decepção vigente, não imprimindo nenhuma liderança ao processo. Na Rio 92, o carismático secretário-geral Maurice Strong não só ouviu a todos, como liderou o processo preparatório. O atual secretário-geral, o indiano Nitin Desai, não tem o mesmo carisma. Mais ainda, desmobiliza os participantes, ao fazer sistematicamente o "jogo do contente", minimizando as divergências.
Em recente entrevista em Nova York, Desai declarou que 75% do plano de ação obteve aprovação unânime e que o restante seria decidido em Johannesburgo. O que ele não disse é que nos 25% restantes estavam todos os pontos em que há desacordo.
O que foi acordado naqueles 75% consensuais são declarações vagas e exortações gerais para aumento da ajuda aos países pobres, defesa dos povos indígenas etc. Nenhuma meta concreta, compulsória, foi inserida nesse calendário garantindo que elas seriam cumpridas, o que sinaliza que se deseja uma conferência de chefes de Estado, como foi a conferência de Kyoto.
Parte importante do problema é a ausência real dos Estados Unidos nas negociações, para as quais enviam delegados de segundo ou terceiro escalão. É bastante evidente que a política oficial desse país -que é o mais rico e o que mais contribui para os problemas ambientais de hoje- não deseja mais se engajar em compromissos internacionais. Nem sobre crimes de guerra, nem sobre proteção ambiental, nem sobre desenvolvimento sustentável.
Diante dessa situação proliferaram propostas de ações bilaterais e voluntárias entre os países ricos e seus clientes tradicionais, chamadas de iniciativas Tipo 2. Para sua adoção, a conferência de Johannesburgo não é necessária e, se esta se restringir àquelas, estará condenada ao fracasso.
Donde, portanto, extrair otimismo?
Paradoxalmente, talvez do Brasil, que em 1992 teve um papel importante e que, um pouco tardiamente, está assumindo um papel de liderança em 2002.
Afinal, foi nosso país quem lançou a Iniciativa Brasileira de Energia, preparada na Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, que propõe que 10% da matriz energética mundial seja obtida por meio de energia renovável até 2010.
Hoje essa participação é inferior a 5%, exceto em países como a Suécia e o próprio Brasil. Se adotada, a proposta brasileira resolveria o impasse da ratificação do Protocolo de Kyoto e permitiria reduzir os problemas de poluição local e regional, como o da nuvem de particulados que recobre o Sudeste da Ásia e tem origem na queima de petróleo e carvão pela China e pela Índia. Energias renováveis, como a eólica, fotovoltaica, usinas hidrelétricas e biomassa (principalmente cana-de-açúcar e álcool), são na realidade a onda do futuro.
Além disso, a conferência de Johannesburgo estimula governos a adotarem medidas locais para melhorar o meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável. Exemplo disso é a criação, pelo presidente da República, do Parque Nacional das Montanhas de Tumucumaque, no Amapá. E os programas de produção mais limpa que a Fiesp está estimulando.
Nem tudo serão rosas em Johannesburgo, mas, sim, ainda há esperança.


José Goldemberg, 74, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, primeiro ocupante da cátedra Joaquim Nabuco na Universidade de Stanford (EUA), é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Foi reitor da USP (1986-89), secretário da Ciência e Tecnologia e ministro da Educação (governo Collor).



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