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TENDÊNCIAS/DEBATES
Sairão da Rio+10 propostas concretas?
NÃO
Em jogo o futuro do planeta
MARCELO FURTADO
Recentes relatórios de agências da
ONU e de outros grupos apontam
cenários catastróficos de aumento da
desigualdade entre países como resultado de um processo de globalização econômica injusto e sem regulamentação.
Fome, falta de água, falta de acesso à
energia, nuvens de poluição cobrindo
um continente inteiro, seca de um lado
e enchentes de outro. A escala e a velocidade da deterioração ambiental têm sérios impactos sociais e não temos tempo
a perder. Os governos presentes na
Rio+10 terão muita dificuldade para
justificar à opinião pública sua incapacidade de reverter essa realidade. Mas a
resposta poderá ser até simples: faltou
vontade política e recursos. Portanto
talvez esteja chegando a hora de procurar outro planeta para viver, pois a Terra
está com seu futuro comprometido.
Durante todo o processo de negociação, os governos têm demonstrado uma
extraordinária relutância em lidar de
maneira séria com o tema "pobreza e
meio ambiente" no âmbito global. Alguns países estão, inclusive, tentando
reverter conquistas obtidas na Rio 92,
como o princípio da responsabilidade
comum mas diferenciada, que afirma
que todos têm que mudar suas práticas
insustentáveis, mas os países ricos, que
causaram maiores danos ao meio ambiente nas últimas décadas, devem mudar mas rápido e financiar o processo
global para mudar esse cenário.
O princípio da precaução, que visa
prevenir ações que ameacem a saúde e o
meio ambiente, também tem sido deixado de lado. E, principalmente, alguns
países estão se eximindo de disponibilizar recursos para que os países em desenvolvimento possam lidar com seus
problemas ambientais e sociais, como
acordado no Rio. Uma minoria de países ricos está fazendo do resto do mundo seus reféns. É preciso que a maioria
demonstre coragem e compromisso
com o desenvolvimento sustentável.
Um bom exemplo é o debate sobre
"energia limpa para todos". Energia é
uma necessidade central para a atividade humana. O acesso à energia limpa é
um pré-requisito para o desenvolvimento e para a redução da pobreza, e
beneficia a saúde, a educação e a justiça.
Portanto, seja pela questão econômica,
social ou ambiental, a sustentabilidade
só poderá ser atingida através de fontes
renováveis de energia.
A questão da responsabilidade corporativa, um assunto atual e imprescindível para o desenvolvimento sustentável,
também corre o risco de ser tratada levianamente na Rio+10. Áreas contaminadas, como em Santo André, São Paulo e Paulínia, demonstram a necessidade de maior responsabilidade, controle
e acompanhamento da atividade corporativa.
Um instrumento internacional de responsabilidade corporativa deve incorporar compensação e restituição de danos, direito à informação, respeito aos
direitos humanos das comunidades e
dos trabalhadores, entre outros. A resistência das empresas e governos a tal instrumento contribuirá apenas para o aumento da desconfiança do público em
relação ao controle corporativo sobre os
governos e a seriedade das empresas em
suas iniciativas sociais e ambientais.
O Brasil e outros países comprometidos com o sucesso da reunião de Johannesburgo têm uma difícil tarefa a ser
cumprida: criar um ambiente favorável
para novas negociações. A questão que
fica é se os próximos 11 dias serão suficientes para resolver questões complexas como novas fontes de recursos, subsídios, relação dos acordos globais ambientais e sociais e as normas da OMC
(Organização Mundial de Comércio).
Na verdade, a reunião de Johannesburgo poderá se tornar mais uma continuação da reunião da OMC em Doha,
no ano passado, do que um seguimento
da Rio 92. Em casa, o governo brasileiro
deve ratificar os compromissos internacionais assumidos nas convenções de
biodiversidade, biossegurança, poluentes tóxicos e outras.
A cúpula da Terra, em sua versão
2002, terá de responder não só ao desafio da proteção ambiental, como também à necessidade de reduzir a pobreza
para garantir um futuro sustentável. A
expectativa para a Rio+10 não se limita
à discussão de implementação da Agenda 21, acordada na Eco 92, com metas,
datas, recursos financeiros bem definidos para proteção das florestas, rios,
mares e conservação da qualidade do
ar, solo e alimento, entre outros. Mas se
deve, especialmente, à possibilidade de
mostrar como os governos vão assegurar à sociedade um futuro sustentável.
Quem sabe o fato de os holofotes da
mídia global estarem voltados para essa
reunião faça com que os chefes de Estado nela presentes cumpram seus compromissos com milhares de pessoas que
estão sofrendo, neste momento, sem
energia limpa, sem água, sem saneamento, pela falta de consideração dos
governos por suas vidas e pelo futuro
das gerações por vir.
Marcelo Furtado, 38, engenheiro químico, é
coordenador da Campanha de Substâncias Tóxicas para a América Latina do Greenpeace e representante da ONG na Rio+10.
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