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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O Brasil e o mundo
A reorientação do Brasil depende de seu reposicionamento
entre as nações. O Brasil quer e espera
um governo das forças progressistas
-não um governo sectário de esquerda, nem um governo de união geral-
em diálogo com todas as vertentes da
sociedade brasileira, com a participação dos empresários, dedicado a uma
tarefa: retomar o desenvolvimento,
com base na redistribuição da renda e
na democratização das oportunidades. Uma nova política exterior brasileira não será apenas a expressão desse projeto. Será também uma de suas
condições.
Política exterior é política, não simples prática de negociações comerciais, que é sempre insuficiente para
atingir mesmo os objetivos econômicos mais estreitos. Ajuda a compor o
romance do futuro nacional: uma
idéia do país e de seu futuro. Dá, dessa
maneira, sentido aos grandes sacrifícios por que ainda passará o povo brasileiro.
A primeira diretriz da política exterior de que precisa o país é reconstruir
nossa relação com os Estados Unidos,
hoje fundada no medo. O mundo arrisca viver agora momento de radicalização sanguinária da hegemonia
americana. Por uma lei das compensações que governam seu espírito, os
americanos estarão, depois desse episódio, mais abertos a iniciativas generosas. Ao aprofundar nossas alianças
dentro dos Estados Unidos, temos de
ampliar o âmbito das negociações a
respeito da Alca. A chave é ir além do
troca-troca comercial. Trabalhemos
para que a extensão do livre comércio
no hemisfério preserve a possibilidade
de parcerias estratégias entre governos e empresas e institua meios para
atenuar as desigualdades nacionais,
tal como na União Européia.
A segunda diretriz é liderar os outros países continentais periféricos
-a começar pela China e pela Índia- em movimento de defesa de
nossos interesses comuns. O interesse
comum básico é abrir a ordem mundial a maior diversidade de estratégias
de desenvolvimento. Para isso, é preciso construir acertos que reconciliem
os interesses vitais de segurança dos
Estados Unidos com o desejo universal de rejeitar hegemonias políticas e
ideológicas. E insistir em organização
do comércio mundial que facilite alternativas de desenvolvimento em vez
de sacrificá-las aos dogmas interesseiros de um livre comércio seletivo -livre para os produtos e para o dinheiro, não para as pessoas.
A terceira diretriz é desenvolver
ação humanitária de grande porte na
África. A África vive calamidade, com
o colapso de Estados, a epidemia da
Aids e a proliferação da fome. Socorramos a África, distribuindo remédios
e engajando em massa nossos jovens e
nossos médicos. A iniciativa ecoará
em toda a parte, trazendo à tona o melhor da humanidade. E nos ajudará a
abraçar o legado africano dentro do
Brasil.
A quarta diretriz é voltar a construir
o espaço sul-americano, dentro e fora
do Mercosul. Não há o que fazer a curto prazo, a não ser defender com vigor
os interesses da Argentina. O que mudará o quadro é o lançamento de novo
modelo de desenvolvimento brasileiro. Com isso, poderemos avançar na
integração da América do Sul, com
base em instituições comuns e em estratégia compartilhada de crescimento econômico. É por falta desses requisitos que o Mercosul fraqueja diante
dos traumas.
Política exterior é interesse e visão.
Não é o mundo que nos impede de
praticar política exterior como a que
esbocei. É a falta de ação clarividente e
audaciosa que sirva ao nosso desejo
inconformado de construção nacional.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.
Internet: www.law.harvard.edu/unger
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