São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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JOSÉ SARNEY

SOS Educação

Nestes últimos dias, curti minha insônia de estimação com especulações que, em vez de atrair o sono, o afastaram e ficaram remoendo soluções e caminhos.
Implantou-se na minha madrugada uma pergunta que é de todos: onde nos desviamos do caminho que vínhamos trilhando no século 20 com tanto brilhantismo e que se truncou numa avalanche daquilo que os franceses chamam de excesso de crises?
De repente veio-me a revelação que já deve ter acometido milhões de brasileiros ao longo das últimas gerações: o nosso grande fracasso foi a educação. Nunca fomos capazes de construir um modelo educacional para o Brasil, num planejamento a ser seguido por administrações sucessivas. Tivemos bons e maus ministros, mas cada um deles uma ilha isolada com ganhos transitórios ou fracassos retardadores.
O exemplo do Japão é repetido, louvado e didático. A famosa decisão do imperador Meiji de obrigar todos a estudar deu no futuro a posição de liderança de que o país desfruta no mundo moderno. Não se trata apenas do saber ler e escrever -e contar- da educação básica, mas daquilo que Jacques Delors dizia combinar a escola clássica com contribuições exteriores à escola, facultar à criança o acesso às três dimensões da educação: "ética e cultural, científica e tecnológica, econômica e social".
Todos no Brasil falam na prioridade à educação, mas nenhum setor é mais abandonado, mais sucateado, mais desprezado do que o educacional. Não estou falando de nenhum governo, estou tratando dessa deformidade do caráter nacional de não encontrar a saída do desenvolvimento por um grande projeto nacional. As diversas mudanças de metodologia, já podemos avaliar com o tempo, foram todas fracassadas, e nenhuma encontrou o caminho certo.
As nossas prioridades passaram a ser todas econômicas. Estamos grudados na taxa de juros e no preço do dólar, mas ninguém se comove com o número de repetições ou com o despreparo na formação de professores.
E não se satanize somente a falta de recursos. A Argentina tem uma expectativa de vida escolar de 13,5 anos, próxima da dos Estados Unidos, 16,3 anos (o Brasil não tem estes dados).
Mas, no nosso orçamento de R$ 1,58 trilhão, pesam 11% para juros, isto é, para nada, para pagar os especuladores da nossa última crise cambial, contra 1% para educação.
A educação tem um papel nas sociedades modernas que não tinha no passado. O "Relatório da Unesco sobre Educação para o Século 21" enfatiza bem esse conceito. Ninguém pode pensar que a nossa vida educacional se esgota aos 14 anos. Temos de ter presente que a velocidade do conhecimento no mundo moderno exige uma "educação para a vida toda, uma permanente busca de saberes".
Resultou da minha insônia um grito desesperado: vamos fazer um programa educacional de longo prazo, 50 anos, um século! Só assim venceremos a escravidão tecnológica e cultural que nos espera. Agora temos uma vantagem: as novas tecnologias a serviço da educação.
Abandonemos o conceito de educação de Simões Filho, que, quando demitido da pasta da Educação e solicitado a falar mal do Getúlio, retrucou: "Perdi o ministério, mas não perdi a educação."
Educação no Brasil ainda é tratada como boas maneiras.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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