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OTAVIO FRIAS FILHO
Coro dos contentes
Os adversários do senador José
Serra -e agora eles são tantos,
pois se formam filas para adular o
provável vitorioso- culpam o candidato pela derrota. Serra foi ambicioso
demais, praticando uma política de
terra arrasada no campo governista
até conseguir firmar sua candidatura.
Não é "simpático" e seu modo de
atuação política "desagrega".
São características que podem ter sinal positivo se adotado outro ponto de
vista. Não ser "simpático" pode ser
um eufemismo para quem não agrada
a cada auditório; "desagregar", outro
eufemismo para quem não fez acordos que abraçam desde a direita nordestina até o MST. Mas é duvidoso
que um candidato "melhor" pudesse
obter resultado diferente.
Foi somente depois de Roseana e Ciro terem sido pulverizados que o eleitorado desistiu de procurar uma terceira via que lhe permitisse escapar do
dilema entre governo e Lula. Desgastado depois de oito anos, tendo levado
o país às portas da bancarrota quando
os benefícios do real já envelhecem na
memória, os tucanos (agora se vê) não
tinham muita chance.
De outro lado, a lenta decantação do
PT como partido social-democrático
foi apressada por uma política de
alianças sem outro critério exceto o de
vencer a todo custo, ao mesmo tempo
em que o candidato passava por uma
profunda cirurgia publicitária. Nessa
plástica, os traços que o eleitor imaginava ver em Roseana foram transferidos a Lula.
Toda eleição acumula novo aprendizado coletivo sobre as anteriores. Os
meios de esclarecimento se desenvolvem em paralelo, no entanto, com os
meios de ilusão, que também melhoram. A vocação publicitária da política
contemporânea se fixa cada vez mais.
E seu programa é o mesmo para todos
os clientes: despolitizar a campanha e
glamourizar o candidato.
A embalagem pode ser nova, mas o
fenômeno não. Conforme a cirurgia
petista surtia seus efeitos e a economia
fragilizava ainda mais o governo, de
repente o eleitorado -tão flutuante
no começo, embora agora se compreenda melhor o percurso de suas
cismas- fixou-se em Lula, gerando
essa onda que nada mais parece capaz
de deter.
Num país de tradição sebastianista,
reaparece de tempos em tempos uma
dessas figuras de demiurgo (cujo modelo local é Getúlio), em torno da qual
se forma um consenso irrestrito, que
os poderosos passam a assediar com
seus apoios e que os entusiastas consideram acima de críticas. Para ficar no
período recente, foi assim com Tancredo e com Collor.
O caso de Lula tem uma dimensão
simbólica mais profunda do que as
desses dois precursores, pois ele incorpora o sentimento de injustiça ante
a desigualdade abissal que separa as
classes no país. É um paradoxo, talvez
fecundo, que esteja a um passo do poder num momento em que a economia praticamente impõe um governo
de união nacional.
Na fase de ascenso desses demiurgos, antes que as decepções inevitáveis, sobretudo num governo sem
margem de manobra, devolvam as expectativas a nível mais realista, toda
crítica é impatriótica, toda ressalva é
impertinente. Mas há instituições -o
Ministério Público, a imprensa- cuja
função deveria ser desafinar o coro
dos contentes.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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