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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Uma triste realidade
Quando falam em pobreza e
miséria, os pesquisadores digladiam-se numa verdadeira guerra de
números. Fica difícil ao leigo saber
exatamente a quantidade de pobres e
miseráveis do Brasil. Uns falam em 17
milhões, outros, em 34 milhões. Ultimamente, vejo o espantoso número
de 47 milhões.
Como engenheiro, não tenho condições de avaliar os trabalhos dos economistas e sociólogos. Já tentei conciliar os dados, dando um telefonema
para um e solicitando informações de
outro. As dificuldades continuam.
Apesar desse desencontro, porém,
há um fato estarrecedor e inegável. É
gigantesco o número de brasileiros
que carregam uma vida sofrida, insegura e desamparada. É uma vergonha
em face das enormes potencialidades
do país.
O pior é que as pesquisas apontam
para um agravamento da situação.
Entre 2002 e 2003, estudos do Centro
de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas registraram um aumento
de 2,4 milhões de pessoas que não têm
renda suficiente para comprar alimentos que forneçam o mínimo de
2.800 calorias diárias.
Com esse quadro, fica difícil pensar
em uma nação produtiva, harmônica,
solidária, pacífica, sem violência e longe da criminalidade nessas condições.
Os estudos são convergentes em um
outro ponto: mesmo que a sua economia cresça, o Brasil levará muito tempo para reduzir significativamente o
número de pobres e miseráveis. Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para
resgatar a metade dos famintos do
país -vejam bem, apenas a metade!-, o Brasil terá de crescer à base de
4,5% ao ano durante 11 anos.
Além da tristeza de ver nossos irmãos em condições tão desumanas, é
lamentável constatar que os programas sociais específicos continuam
desfocados e direcionando recursos
para quem não precisa. Nesta semana,
a imprensa debateu o desvirtuamento
do programa Bolsa-Família. Dentre os
seus beneficiários, apenas um terço é
realmente necessitado; uma enorme
avalanche de pessoas que vivem em
condições precárias fica ao léu, sem
condições de sobreviver condignamente. Isso ocorre com vários outros
programas governamentais ("Bolsas
erram foco e priorizam os "com-escola'", Folha, 18/10/2004).
Diante de um quadro tão grave, é
deplorável ver o governo querendo
exportar um modelo que falha domesticamente. É triste observar a persistência dos que não perdem a mania
de fazer propaganda em cima dos pobres para ganhar a simpatia da sociedade.
Em lugar de tentar vender lá fora o
que fracassou aqui dentro, precisamos tratar de fazer as retificações, trabalhando mais, falando menos e baixando os juros. O país necessita de
uma arrancada de crescimento que
gere empregos para que as pessoas
possam produzir e ganhar -em lugar de se perpetuarem como destinatárias do assistencialismo. Penso que
essa será a forma mais eficaz e mais
respeitosa de tratar os nossos irmãos
que vivem na pobreza e na miséria.
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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