São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Uma triste realidade

Quando falam em pobreza e miséria, os pesquisadores digladiam-se numa verdadeira guerra de números. Fica difícil ao leigo saber exatamente a quantidade de pobres e miseráveis do Brasil. Uns falam em 17 milhões, outros, em 34 milhões. Ultimamente, vejo o espantoso número de 47 milhões.
Como engenheiro, não tenho condições de avaliar os trabalhos dos economistas e sociólogos. Já tentei conciliar os dados, dando um telefonema para um e solicitando informações de outro. As dificuldades continuam.
Apesar desse desencontro, porém, há um fato estarrecedor e inegável. É gigantesco o número de brasileiros que carregam uma vida sofrida, insegura e desamparada. É uma vergonha em face das enormes potencialidades do país.
O pior é que as pesquisas apontam para um agravamento da situação. Entre 2002 e 2003, estudos do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas registraram um aumento de 2,4 milhões de pessoas que não têm renda suficiente para comprar alimentos que forneçam o mínimo de 2.800 calorias diárias.
Com esse quadro, fica difícil pensar em uma nação produtiva, harmônica, solidária, pacífica, sem violência e longe da criminalidade nessas condições.
Os estudos são convergentes em um outro ponto: mesmo que a sua economia cresça, o Brasil levará muito tempo para reduzir significativamente o número de pobres e miseráveis. Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para resgatar a metade dos famintos do país -vejam bem, apenas a metade!-, o Brasil terá de crescer à base de 4,5% ao ano durante 11 anos.
Além da tristeza de ver nossos irmãos em condições tão desumanas, é lamentável constatar que os programas sociais específicos continuam desfocados e direcionando recursos para quem não precisa. Nesta semana, a imprensa debateu o desvirtuamento do programa Bolsa-Família. Dentre os seus beneficiários, apenas um terço é realmente necessitado; uma enorme avalanche de pessoas que vivem em condições precárias fica ao léu, sem condições de sobreviver condignamente. Isso ocorre com vários outros programas governamentais ("Bolsas erram foco e priorizam os "com-escola'", Folha, 18/10/2004).
Diante de um quadro tão grave, é deplorável ver o governo querendo exportar um modelo que falha domesticamente. É triste observar a persistência dos que não perdem a mania de fazer propaganda em cima dos pobres para ganhar a simpatia da sociedade.
Em lugar de tentar vender lá fora o que fracassou aqui dentro, precisamos tratar de fazer as retificações, trabalhando mais, falando menos e baixando os juros. O país necessita de uma arrancada de crescimento que gere empregos para que as pessoas possam produzir e ganhar -em lugar de se perpetuarem como destinatárias do assistencialismo. Penso que essa será a forma mais eficaz e mais respeitosa de tratar os nossos irmãos que vivem na pobreza e na miséria.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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