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Proposta absurda
A PF não pode se atar ao interesse de governantes, mas daí não segue que deva ser organização à parte do Executivo
É ESCANDALOSA a proposta
de emenda constitucional (PEC) nš 37, apresentada pelo senador Valmir
Amaral (PTB-DF), que propõe
autonomia para a Polícia Federal
(PF). "Autonomia", entretanto, é
um termo suave demais para
descrever os superpoderes que a
PEC pretende atribuir à instituição e a seus delegados.
Para começar, a PF, doravante
denominada Gabinete da Polícia
Federal, seria galgada à condição
de ministério. Mais do que isso,
contaria com autonomia funcional, administrativa, financeira e
orçamentária, prerrogativas na
maioria das vezes reservadas a
Poderes autônomos.
É evidente que a PF, como
qualquer polícia, não pode subordinar-se aos interesses dos
governantes de ocasião. Precisa
ter autonomia para investigar e
atuar mesmo que contra os desejos dos poderosos. É justamente
aí que reside a diferença entre
uma polícia de Estado e uma
guarda pretoriana. Daí não segue, entretanto, que a PF deva
ser uma organização acima ou à
parte do Executivo.
No sistema de freios e contrapesos que caracteriza as democracias, aqueles que detêm a
prerrogativa de fazer uso legítimo da violência precisam estar
sob o controle firme de um Poder. Pela tradição brasileira, é o
Executivo, com a intermediação
do Judiciário e sob a fiscalização
do Legislativo.
Não é, porém, apenas contra a
lógica institucional que a PEC
atenta. Ela também configura
grave ameaça a direitos e garantias individuais, ao atribuir a delegados da PF o poder de requisitar, "no interesse da investigação
criminal", informações cadastrais públicas ou privadas de
qualquer natureza, incluindo registros de ligações telefônicas,
conexões na internet e movimentações financeiras. Pior, a
redação da proposta sugere que a
"requisição" independe da autorização do Poder Judiciário.
Se tal norma for aprovada e
prevalecer a interpretação segundo a qual não há necessidade
de a Justiça manifestar-se, será a
morte do Estado de Direito no
Brasil. Delegados da PF tudo poderão contra qualquer cidadão,
que se verá privado dos meios
para defender-se.
Como se isso ainda fosse pouco, o projeto de emenda à Carta
concede mais algumas regalias
aos delegados da PF, como foro
especial no Tribunal Regional
Federal e o direito de só ser preso
por ordem judicial ou flagrante
delito de crime inafiançável. Ou
seja, não será preso nem se espancar um desafeto em praça
pública e à luz do dia.
É claro que delegados, bem como servidores de várias outras
carreiras típicas de Estado, precisam ser protegidos contra demissões arbitrárias, transferências políticas ou processos intimidatórios. Tais proteções, porém, já existem. Pode-se até discutir ampliá-las mais um pouco,
se houver consenso de que são
insuficientes. O que não faz sentido, como parece querer a PEC,
é estendê-las a ponto de macular
a própria igualdade republicana
dos cidadãos.
Se há um serviço que o Legislativo pode prestar à sociedade é
sepultar de vez esse verdadeiro
ataque que a proposta desfere
contra a cidadania.
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