São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Alfabetização: uma alavanca contra a pobreza

No momento em que o novo governo se prepara para atacar a fome, persiste no Brasil um outro tipo de carência, tão grave quanto aquela -a carência de conhecimentos.
Recentemente, os alunos do ensino médio, submetidos a uma prova objetiva, demonstraram dominar apenas um terço do que deveriam saber. Isso é uma calamidade numa hora em que o mercado de trabalho se torna cada vez mais exigente e o exercício da cidadania requer informações adequadas.
Trata-se do pior desempenho educacional dos últimos cinco anos. O Brasil foi para a frente em termos de quantidade ao matricular todas as crianças na escola, mas foi para trás em termos de qualidade ao produzir uma legião de jovens despreparados para a vida e para o trabalho.
Esse retrato triste não decorre da falta de recursos, mas, sim, da má utilização dos mesmos. Uma pesquisa do Banco Mundial mostrou que, no início dos anos 90, apenas 40% dos recursos públicos chegavam às escolas; o restante ficava na burocracia.
No meio de tamanha tragédia, houve uma inovação animadora -o Alfabetização Solidária, que decidiu agir nos municípios que tinham mais de 70% de analfabetos. Os resultados foram espetaculares. Entre 1997 e 2001, o programa alfabetizou 2,5 milhões de adultos. Até o final de 2002, atenderá 3,6 milhões de pessoas. A taxa de analfabetismo, que era de 19,8% em 1990, passou para 12,8% em 2000, sendo que os maiores avanços ocorreram no final da década como consequência do Alfabetização Solidária.
Milagre? Nada disso. O programa combinou simplicidade com parceria em "regime de adoção". Ou seja, para alfabetizar um adulto, os brasileiros de boa vontade contribuem, voluntariamente, com R$ 17 por mês por aluno. Tudo é feito com trabalho direto, sem falatórios, com poucas fotografias, um mínimo de reuniões e muita eficiência. Você, leitor, se quiser adotar um aluno, pode estar certo de que, em seis meses, esse brasileiro estará alfabetizado -por apenas R$ 102! Não é gratificante?
O Alfabetização Solidária é o cerne do Programa da Comunidade Solidária, que passou a educar os adultos alfabetizados que desejam prosseguir nos estudos.
É emocionante e comovente visitar as localidades atendidas por esse programa e testemunhar, "in loco", o contagiante entusiasmo dos jovens e dos adultos -pessoas que sempre estiveram esquecidas e abandonadas e que agora, com a oportunidade surgida, trabalham o dia inteiro, debaixo de sol e chuva, e vão à escola à noite para estudar com afinco e para valorizar a educação como uma jóia preciosa, pois todos eles sabem que essa é a melhor ferramenta para vencer na vida.
Oxalá esse programa tenha continuidade no novo governo -com o mesmo espírito de simplicidade e de parceria que marcou a sua ação até o momento. Afinal, qual é a família de classe média que não pode doar R$ 17 por mês -R$ 102 por semestre- para alfabetizar um brasileiro?


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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