São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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RUY CASTRO

Outro dia, há 40 anos

RIO DE JANEIRO - Era novembro de 1967, uma segunda-feira. Na quinta-feira daquela semana, Guimarães Rosa tomaria posse na Academia Brasileira de Letras. Justino Martins, editor da "Manchete", chamou o quase foca, que era eu, e me mandou entrevistar o escritor. Alguém me passou um número, telefonei e Rosa, em pessoa, atendeu.
Apresentei-me e disse o que queria: uma entrevista "definitiva", um pingue-pongue em profundidade, uma conversa de horas ou, quem sabe, dias. Na onipotência dos 19 anos, eu me julgava à altura -meses antes, ganhara um prêmio literário patrocinado pela Esso com um pernóstico ensaio sobre ele. E, delirante, já me via em seu apartamento no Posto 6, entre livros e gatos, com Rosa me explicando a gênese do vaqueiro Riobaldo.
Mas Rosa me despertou: a posse estava às portas e ele não terminara de escrever seu discurso. Gentilíssimo, pedia desculpas, mas não podia atender ninguém. Insisti, ele ficou firme e sugeriu que eu procurasse sua filha Vilma: "Ela sabe tudo sobre mim". Instou-me a ir à posse -que dúvida!- e me prometeu uma cópia autografada do discurso.
Assim, nos dias seguintes, fiquei sabendo tudo de Rosa pelos olhos de Vilma. Fui à posse e, por acaso, me vi postado ao lado do púlpito de onde Rosa, emocionado, lia seus papéis. Findo o ato, ele saiu cumprimentando todo mundo, sem enxergar ninguém. Quando me apertou a mão pela segunda vez, falei-lhe da cópia autografada, mas ele nem me ouviu.
Tudo bem. Das conversas com Vilma, eu iria compor um retrato íntimo de seu pai. Mas Rosa, coração castigado pela cerimônia, sofreu um infarto fatal três dias depois, no domingo. Justino cancelou meu perfil e pediu a Magalhães Junior, redator da revista e amigo de Rosa, uma impressão mais pessoal. Pelo menos, saí na foto da posse.


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