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RUY CASTRO
Outro dia, há 40 anos
RIO DE JANEIRO - Era novembro de 1967, uma segunda-feira. Na
quinta-feira daquela semana, Guimarães Rosa tomaria posse na Academia Brasileira de Letras. Justino
Martins, editor da "Manchete",
chamou o quase foca, que era eu, e
me mandou entrevistar o escritor.
Alguém me passou um número, telefonei e Rosa, em pessoa, atendeu.
Apresentei-me e disse o que queria: uma entrevista "definitiva", um
pingue-pongue em profundidade,
uma conversa de horas ou, quem
sabe, dias. Na onipotência dos 19
anos, eu me julgava à altura -meses
antes, ganhara um prêmio literário
patrocinado pela Esso com um pernóstico ensaio sobre ele. E, delirante, já me via em seu apartamento no
Posto 6, entre livros e gatos, com
Rosa me explicando a gênese do vaqueiro Riobaldo.
Mas Rosa me despertou: a posse
estava às portas e ele não terminara
de escrever seu discurso. Gentilíssimo, pedia desculpas, mas não podia
atender ninguém. Insisti, ele ficou
firme e sugeriu que eu procurasse
sua filha Vilma: "Ela sabe tudo sobre mim". Instou-me a ir à posse
-que dúvida!- e me prometeu
uma cópia autografada do discurso.
Assim, nos dias seguintes, fiquei
sabendo tudo de Rosa pelos olhos
de Vilma. Fui à posse e, por acaso,
me vi postado ao lado do púlpito de
onde Rosa, emocionado, lia seus papéis. Findo o ato, ele saiu cumprimentando todo mundo, sem enxergar ninguém. Quando me apertou a
mão pela segunda vez, falei-lhe da
cópia autografada, mas ele nem me
ouviu.
Tudo bem. Das conversas com
Vilma, eu iria compor um retrato
íntimo de seu pai. Mas Rosa, coração castigado pela cerimônia, sofreu um infarto fatal três dias depois, no domingo. Justino cancelou
meu perfil e pediu a Magalhães Junior, redator da revista e amigo de
Rosa, uma impressão mais pessoal.
Pelo menos, saí na foto da posse.
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