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CLAUDIA ANTUNES
Em defesa do voto
NO RASTRO do referendo sobre a controvertida reforma constitucional de Chávez e do governo plebiscitário do
presidente venezuelano, muita
gente tem vindo a público para defender o preceito óbvio de que a democracia não é só voto.
Como vários dos que insistem
nesse ponto estão entre os inconformados com resultados eleitorais recentes, no Brasil e na América Latina, é o caso de reiterar, com
a mesma contundência, que não há
substituto para o voto como expressão da soberania popular na
escolha dos governantes.
O voto universal não é apenas
uma conquista recente da democracia como também a que continua a lhe impor os maiores desafios. Como garantir uma relação
justa entre o voto e a representação? Como garantir que governos
eleitos tenham certa estabilidade e
respeitem direitos das minorias,
sem jogar no lixo o programa aprovado nas urnas?
Nenhum país inventou a fórmula perfeita. A Itália volta e meia muda seu sistema eleitoral. É governada por coalizões frágeis, mas ninguém nota tanto, porque o país vive
sob a couraça protetora da rica Europa e da Otan. No Reino Unido,
premiês conservadores e trabalhistas governam por anos sem ter a
maioria do voto popular. Nos EUA,
o exagero de contrapesos ao voto
majoritário abriu caminho para a
primeira eleição de Bush, em 2000.
(O próprio Hitler, exemplo que
se costuma citar sem nenhum contexto, chegou a chanceler -primeiro-ministro- sem que seu Partido
Nazista tivesse tido a maioria absoluta dos votos e obteve superpoderes graças ao apoio de outras forças
parlamentares da direita).
No Brasil, a vontade popular medida em eleições ainda vive sob
questionamento, seja no plebiscito
oportunista sobre o parlamentarismo, seja na proposta de instituição do voto distrital, o sistema eleitoral que menos favorece a renovação parlamentar e, portanto, a alternância no poder.
Voltando ao caso de Chávez, o eixo de sua proposta de reforma
constitucional não é somente a
possibilidade de reeleição ilimitada, mas a instituição de um Poder
Popular que se reportará à Presidência, sem que fique clara sua relação com os demais Poderes. Não
à toa, ex-aliados de Chávez argumentam que tais mudanças exigiriam a eleição de uma nova Assembléia Constituinte.
Mas os que no Brasil gritam "ditadura" deveriam ser mais inteligentes na defesa da democracia representativa e de sua legitimidade.
Que ao menos leiam com atenção a
pesquisa Latinobarómetro, divulgada na semana passada, e tentem
entender por que, afinal, a maioria
dos bolivianos, venezuelanos e
equatorianos, eleitores de presidentes adeptos da relação direta
entre o líder e as massas, se diz satisfeita com a democracia, seja qual
for o adjetivo que lhe vai ao lado.
CLAUDIA ANTUNES é editora de Mundo
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