São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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CLAUDIA ANTUNES

Em defesa do voto

NO RASTRO do referendo sobre a controvertida reforma constitucional de Chávez e do governo plebiscitário do presidente venezuelano, muita gente tem vindo a público para defender o preceito óbvio de que a democracia não é só voto. Como vários dos que insistem nesse ponto estão entre os inconformados com resultados eleitorais recentes, no Brasil e na América Latina, é o caso de reiterar, com a mesma contundência, que não há substituto para o voto como expressão da soberania popular na escolha dos governantes.
O voto universal não é apenas uma conquista recente da democracia como também a que continua a lhe impor os maiores desafios. Como garantir uma relação justa entre o voto e a representação? Como garantir que governos eleitos tenham certa estabilidade e respeitem direitos das minorias, sem jogar no lixo o programa aprovado nas urnas?
Nenhum país inventou a fórmula perfeita. A Itália volta e meia muda seu sistema eleitoral. É governada por coalizões frágeis, mas ninguém nota tanto, porque o país vive sob a couraça protetora da rica Europa e da Otan. No Reino Unido, premiês conservadores e trabalhistas governam por anos sem ter a maioria do voto popular. Nos EUA, o exagero de contrapesos ao voto majoritário abriu caminho para a primeira eleição de Bush, em 2000.
(O próprio Hitler, exemplo que se costuma citar sem nenhum contexto, chegou a chanceler -primeiro-ministro- sem que seu Partido Nazista tivesse tido a maioria absoluta dos votos e obteve superpoderes graças ao apoio de outras forças parlamentares da direita).
No Brasil, a vontade popular medida em eleições ainda vive sob questionamento, seja no plebiscito oportunista sobre o parlamentarismo, seja na proposta de instituição do voto distrital, o sistema eleitoral que menos favorece a renovação parlamentar e, portanto, a alternância no poder.
Voltando ao caso de Chávez, o eixo de sua proposta de reforma constitucional não é somente a possibilidade de reeleição ilimitada, mas a instituição de um Poder Popular que se reportará à Presidência, sem que fique clara sua relação com os demais Poderes. Não à toa, ex-aliados de Chávez argumentam que tais mudanças exigiriam a eleição de uma nova Assembléia Constituinte.
Mas os que no Brasil gritam "ditadura" deveriam ser mais inteligentes na defesa da democracia representativa e de sua legitimidade.
Que ao menos leiam com atenção a pesquisa Latinobarómetro, divulgada na semana passada, e tentem entender por que, afinal, a maioria dos bolivianos, venezuelanos e equatorianos, eleitores de presidentes adeptos da relação direta entre o líder e as massas, se diz satisfeita com a democracia, seja qual for o adjetivo que lhe vai ao lado.


CLAUDIA ANTUNES é editora de Mundo


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