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TENDÊNCIAS/DEBATES
Experiência de Natal
EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Em meio às diversas formas de viver
o espírito do Natal, há de destacar a
atitude solidária que leva pessoas e grupos a agirem em favor dos mais necessitados. Se, por um lado, nos assusta a
comercialização das festas natalinas,
por outro não podemos deixar de reconhecer valor na generosidade, tão intimamente ligada aos mistérios do Natal.
Algumas vezes essa generosidade é
questionada, sob a acusação de emocional e passageira, fruto de campanhas tecnicamente bem conduzidas. É
possível que encontremos também esse
tipo de motivação. Entretanto não podemos nos esquecer de que o mesmo
Jesus, cujo nascimento estamos neste
tempo comemorando, mais tarde viria
a afirmar o valor de doar até mesmo
um simples copo d" água (Mt; 10, 42).
Daí a importância em destacar que a
lembrança dos mais pobres é uma atitude caracteristicamente natalina.
Naquela noite santa, em que nasceu o
Salvador, a natureza ofertou o lugar. Os
animais, a palha transformada em berço para o pequeno recém-nascido. Os
pastores, a alegria. Os magos, a adoração. Os anjos do céu, o louvor. Maria e
José, a contemplação. E o pequeno menino, à primeira vista o mais frágil e
mais dependente de todos, ofereceu a
graça, o amor e a bondade de Deus. O
Natal é, por isso, a festa da partilha e, todas as vezes que repetimos esse gesto, estamos vivendo o Natal, mesmo que não
seja 25 de dezembro.
Tão característica é essa atitude dos discípulos de Cristo (At; 4, 34) que ela já se
manifesta até mesmo nas comunidades
nascentes. Muitas vezes, a comunidade
brota de um pequeno grupo que se reúne
para rezar e, pouco depois, já está visitando um doente, socorrendo um faminto
(Mt; 25, 31-46). Na Arquidiocese do Rio
de Janeiro, durante o ano de 2001, essa
ajuda, transformada em números, chegou a mais de R$ 7,2 milhões -um valor
já atingido em meados do segundo semestre de 2002.
Por trás desses números, encontram-se
corações anônimos, que, por exemplo,
desdobram-se em recolher e partilhar alimentos, roupas, remédios. Encontram-se as inúmeras instituições católicas que
recebem crianças, doentes, idosos e moribundos, dando-lhes alimentação, vestes, abrigo e, em não poucos casos, um lugar para morrerem com a dignidade de
filhos de Deus -dignidade que lhes foi
tirada durante todo o restante da vida.
Precisamos nos preocupar com as causas da pobreza, empenhando-nos na transformação deste mundo
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É certo que precisamos também nos
preocupar com as causas da pobreza,
empenhando-nos na transformação deste mundo, tão marcado pelo egoísmo e
pelo consumismo. É por isso que a igreja
igualmente se esforça por criar e manter
atividades assistenciais que vão de orfanatos a cursos específicos para inserção
no mercado de trabalho.
Além disso, a igreja se preocupa ainda
com a conscientização de todas as pessoas para que, através de atitudes diretamente relacionadas com a responsabilidade política dos cidadãos, vivenciem a fé
naquele que veio para que todos tenham
vida, e a tenham em plenitude (Jo; 10,10).
Se o destaque é muitas vezes dado ao
socorro imediato, é porque o Evangelho
nos convida a olhar antes de tudo para a
pessoa humana (Lc; 10, 29-37). A ajuda
imediata, longe de afastar o desejo pela
transformação deste mundo, deve servir,
entre outras finalidades, para nos manter
dentro das motivações verdadeiramente
evangélicas.
Aos olhos de quem só considera os resultados numéricos ou sociotransformadores, isso pode parecer bem pouco. Aos
olhos, porém, de quem considera os critérios da fé, o que ocorre na ajuda generosa e imediata é verdadeiramente uma
experiência de Natal. É por isso que os valores acima indicados não nos devem
conduzir ao orgulho ou à vaidade. Diferentemente, eles nos mostram que, se
conseguimos chegar a este ponto, ainda
podemos fazer muito mais.
Esse é o grande convite do Natal.
Dom Eusébio Oscar Scheid, 70, é arcebispo do
Rio de Janeiro.
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