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Tolstói, Marighella e Roberto Campos
ARIANO SUASSUNA
Tendo uma visão pessimista do homem, pessoas como Maquiavel,
Churchill e Roberto Campos acham
que o melhor é encarar e aceitar tranquilamente as desigualdades e conquistar o poder para usufruir suas
vantagens, sem remorso ou qualquer
consideração que leve em conta o sonho de justiça.
Tolstói colocava-se em posição muito diferente. Não é que tivesse uma visão otimista do Estado, da política e
do poder. É que chegava a acreditar
que uma pessoa que tivesse preocupações éticas e religiosas não deveria jamais se dedicar à política nem exercer
qualquer atividade ligada ao Estado,
entre as quais as mais terríveis seriam
a dos tribunais e a do poder repressor
da policia. É dessa convicção que se
origina aquilo que tem sido chamado
de "niilismo cristão" e "anarquismo
religioso" de Tolstói. Mas, segundo o
autor de "Guerra e Paz", não eram somente os órgãos de repressão do Estado que eram condenáveis: os políticos
e revolucionários que, como Mari-ghella ou Lamarca, pensavam a eles se
opor eram tão condenáveis quanto os
primeiros.
Tolstói viveu os anos de terrorismo e
repressão que antecederam e se seguiram à Revolução Russa de 1905; e concluiu que a revolução é apenas uma
forma exacerbada de política, a qual já
contém em si todas as sementes e potencialidades de orgulho, dureza
crueldade e violência, características
tanto da revolução quanto da repressão que o Estado usa para tentar contê-la. Acreditava que o ser humano só
pretende e procura reformar o mundo
através das atividades políticas e revolucionarias porque não quer renunciar ao orgulho e se dedicar à tarefa,
muito mais difícil e urgente, de se reformar a si mesmo, procurando se
moldar àquilo que Deus espera de cada um de nós.
Dentro dessa linha de pensamento,
escreve ele: "O homem só pode melhorar uma coisa, a única que está sob
seu poder: ele próprio. Mas, para melhorar a si mesmo, é necessário que
cada um reconheça que não é bom; e
isto é a última coisa que o homem admite e quer". Quer dizer: a atividade
política teria que ser substituída por
uma prática religiosa, verdadeira e
profunda, qualquer que seja a fé que a
inspire. Mas, comumente, todos preferem achar que têm dentro de si reservas de bondade e grandeza suficientes para transformar-se em reformadores ou mesmo em profetas armados, aptos a corrigir o mundo por
meio das atividades políticas ou revolucionárias. Segundo Tolstói, ambas
são "depravadoras, estéreis, orgulhosas e cruéis", porque no exercício do
poder nós chegamos até a prender, sequestrar, torturar, enforcar ou fuzilar
aqueles que, em nossa opinião, "se
opõem ao Bem", que nós, de modo cego e orgulhoso, julgamos representar
e encarnar.
Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta coluna.
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