São Paulo, Terça-feira, 25 de Janeiro de 2000


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Tolstói, Marighella e Roberto Campos

ARIANO SUASSUNA

Tendo uma visão pessimista do homem, pessoas como Maquiavel, Churchill e Roberto Campos acham que o melhor é encarar e aceitar tranquilamente as desigualdades e conquistar o poder para usufruir suas vantagens, sem remorso ou qualquer consideração que leve em conta o sonho de justiça.
Tolstói colocava-se em posição muito diferente. Não é que tivesse uma visão otimista do Estado, da política e do poder. É que chegava a acreditar que uma pessoa que tivesse preocupações éticas e religiosas não deveria jamais se dedicar à política nem exercer qualquer atividade ligada ao Estado, entre as quais as mais terríveis seriam a dos tribunais e a do poder repressor da policia. É dessa convicção que se origina aquilo que tem sido chamado de "niilismo cristão" e "anarquismo religioso" de Tolstói. Mas, segundo o autor de "Guerra e Paz", não eram somente os órgãos de repressão do Estado que eram condenáveis: os políticos e revolucionários que, como Mari-ghella ou Lamarca, pensavam a eles se opor eram tão condenáveis quanto os primeiros.
Tolstói viveu os anos de terrorismo e repressão que antecederam e se seguiram à Revolução Russa de 1905; e concluiu que a revolução é apenas uma forma exacerbada de política, a qual já contém em si todas as sementes e potencialidades de orgulho, dureza crueldade e violência, características tanto da revolução quanto da repressão que o Estado usa para tentar contê-la. Acreditava que o ser humano só pretende e procura reformar o mundo através das atividades políticas e revolucionarias porque não quer renunciar ao orgulho e se dedicar à tarefa, muito mais difícil e urgente, de se reformar a si mesmo, procurando se moldar àquilo que Deus espera de cada um de nós.
Dentro dessa linha de pensamento, escreve ele: "O homem só pode melhorar uma coisa, a única que está sob seu poder: ele próprio. Mas, para melhorar a si mesmo, é necessário que cada um reconheça que não é bom; e isto é a última coisa que o homem admite e quer". Quer dizer: a atividade política teria que ser substituída por uma prática religiosa, verdadeira e profunda, qualquer que seja a fé que a inspire. Mas, comumente, todos preferem achar que têm dentro de si reservas de bondade e grandeza suficientes para transformar-se em reformadores ou mesmo em profetas armados, aptos a corrigir o mundo por meio das atividades políticas ou revolucionárias. Segundo Tolstói, ambas são "depravadoras, estéreis, orgulhosas e cruéis", porque no exercício do poder nós chegamos até a prender, sequestrar, torturar, enforcar ou fuzilar aqueles que, em nossa opinião, "se opõem ao Bem", que nós, de modo cego e orgulhoso, julgamos representar e encarnar.


Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta coluna.


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