UOL




São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Nem agressão, nem capitulação. Oposição

JORGE BORNHAUSEN

A alternância de poder -que implica ascensão e queda de partidos ideologicamente antípodas- é a prova dos nove de qualquer democracia. O mecanismo que demonstra aos cidadãos que os governos estão no poder em função de uma manifestação da vontade da sociedade, expressa pelo voto. O resto é consequência.
Daí, assim como a vitória eleitoral não é um prêmio, mas um teste de desafio da competência dos vencedores e da eficácia das suas propostas, a perda do poder nem sempre é uma condenação -no sentido literal de reprovação-, mas uma transferência dos políticos e respectivos partidos às responsabilidades da oposição, que são altíssimas, importantes para os cidadãos e essenciais para o regime. Ser oposição não é uma diminuição, mas o exercício da política noutro campo.
Esse raciocínio, que pode parecer um sofisma e, para muitos, não passará de um pastiche dos elaborados raciocínios de Bernard Shaw, que sabia explorar os paradoxos, na verdade é a expressão elementar do jogo democrático, uma situação em que, civilizadamente, grupos com propostas antagônicas lutam por obter apoio para realizá-las e se submetem à opção do povo.
Evidentemente, canalhas e corruptos, bem como fanáticos e fundamentalistas -entre estes últimos incluídos os que acreditam que suas fórmulas políticas são "científicas" e, portanto, inexoráveis-, não podem aceitar a perda do poder, pois, fora dele, serão peixes fora d'água, ou estarão condicionados a conquistá-lo pela violência.
Mas, para quem é efetivamente democrata -e não usa o poder, mas o encara como oportunidade de realizar sua vocação de liderança-, estar na oposição até pode ser uma boa oportunidade de realização humana.


Para quem é efetivamente democrata, estar na oposição pode ser uma boa oportunidade de realização humana


Pois foi esse o sentido da declaração oposicionista que fiz da tribuna do Senado em nome do meu partido. Saboreei silenciosamente -evitando a ironia da situação, pois cultivo a humildade para compreender as fraquezas humanas- a perplexidade com que minhas palavras foram recebidas.
Depois da devastadora "onda vermelha" das eleições gerais de 2002, que inaugurou no Brasil a saudável alternância do poder entre tendências ideológicas antípodas, a sociedade espera avidamente não apenas que a nova administração mostre uma nova face do Estado, mas que os partidos se definam ante essa realidade.
O prazo para o reinício do jogo político venceu com a reabertura dos trabalhos do Congresso Nacional. Para começar, e lembrando que nenhum mal é absoluto e que a alternância do poder entre partidos e ideologias não constitui um juízo final nas democracias, declarei que, mesmo sem aderir ao aforismo popular de que há males que vêm para o bem, o PFL está usufruindo do mal que acreditamos ter sido a eleição dos nossos adversários do PT. Uma opção temerária da sociedade e contra a qual nos opusemos.
Mas, já que o povo quis e o povo pode, o presidente Lula está no poder e esperamos que o exerça, na plenitude das prerrogativas constitucionais, pelos próximos quatro anos.
Obrigado infelizmente a esse longo preâmbulo -até mesmo porque o tipo de oposição grosseira que fez o PT exige a declaração prévia de que reconhecemos a legitimidade do presidente Lula e sua honorabilidade pessoal-, vamos por onde deveríamos ter começado, ou seja, pela exigência de que faça no governo o que reclamava que os outros não faziam e que cumpra seu longo repertório de promessas; que não incida na repetição do que criticava; que não repita o que denunciava como suspeito ou que se desculpe pelos erros de ótica ou avaliação com que denegriu projetos, obras e ações dos governos.
Da nossa parte, não planejamos repetir os gritos insensatos de "fora FHC" e as agressões verbais -e até físicas (lembrai-vos dos ataques a Covas em São Paulo)-, mas prometemos a crítica vigorosa, constante, objetiva, direta, firme. Ou seja, sem agressões ou grosserias.
Oposição não é uma alternativa à adesão, muito menos à capitulação, mas o papel que a democracia reserva aos que discordam e não participam, sob nenhuma condição, do governo. Pelo que, como diziam os velhos tribunos parlamentares, tenho dito. E esperamos demonstrar.

Jorge Bornhausen, 65, senador pelo PFL de Santa Catarina, é presidente nacional do partido.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Marcelo Carvalho Ferraz: Memória do futuro

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.