São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRAGÉDIA BRASILEIRA

O massacre de 29 garimpeiros na reserva indígena Roosevelt, em Rondônia, é uma dessas tragédias brasileiras para as quais contribui de forma decisiva a omissão do poder público. O pano de fundo do conflito é a ausência de regulamentação da atividade mineradora em terras de índios. A Constituição admite a pesquisa e a lavra de riquezas minerais nesses territórios, mas apenas com autorização do Congresso, "ouvidas as comunidades afetadas" e ficando-lhes "assegurada participação nos resultados na forma da lei".
Ocorre que a discussão da legislação complementar, que deveria regulamentar a questão, arrasta-se há anos. É justamente no vazio da lei, da fiscalização e da presença do Estado que situações potencialmente explosivas vão sendo criadas. O caso da reserva Roosevelt é especialmente grave, pois o governo tinha perfeito conhecimento dos riscos ali presentes, como admitiu o próprio ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
Como costuma ocorrer, uma vez consumada a tragédia, as autoridades apressam-se agora em anunciar soluções. O governo assegura que proporá a regulamentação o quanto antes e que poderá fazê-lo até mesmo em medida provisória.
Não há dúvida de que existem fortes interesses em jogo -que ajudam a explicar as dificuldades para a aprovação dessas normas. As incertezas a respeito do tratamento que a Constituição daria ao setor de mineração levaram no passado a uma verdadeira corrida por requerimentos para pesquisa mineral nas mais diversas áreas do país -entre elas terras que se transformariam em reservas indígenas. Concedida a autorização para a pesquisa, ela equivale a uma espécie de direito de prioridade para explorar o minério. Muitas das empresas que tiveram seus pleitos contemplados consideram que seus direitos permanecem em vigor, não podendo ser cessados por nova legislação.
Bem exemplifica essas controvérsias um projeto que tramita no Congresso pretendendo estabelecer procedimentos semelhantes aos licitatórios para autorizar a exploração mineral. A proposta considera que direitos de prioridade para explorar jazidas não teriam validade para terras indígenas, mas exclui desse veto requerimentos anteriores à promulgação da Constituição, o que está longe de ser um consenso.
Tratando-se de riqueza do país, não há dúvida de que a mineração em áreas indígenas deve ser autorizada. Para que isso ocorra, porém, é preciso que o governo assuma o comando do processo, promovendo os entendimentos para a elaboração de uma norma satisfatória que se enquadre na moldura constitucional.
Quanto ao caso específico da reserva Roosevelt, é flagrante que a região se tornou uma espécie de terra sem lei, extremamente propícia a toda a sorte de mazelas, a começar pelo contrabando de diamantes. Os conflitos entre índios e garimpeiros, cujos interesses nem sempre foram contraditórios, acabou por chegar ao trágico desfecho que se conhece. Não há, quanto a isso, outra alternativa: é preciso que as investigações tenham lugar e que os responsáveis pelo crime sejam punidos.


Texto Anterior: Editoriais: SINAIS DO FED
Próximo Texto: Bruxelas - Clóvis Rossi: O ridículo e a incompetência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.