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CLÓVIS ROSSI
De pé contra a morte
SÃO PAULO - Juan Gelman recebeu anteontem, na Espanha, o prêmio Cervantes. Pena que, no Brasil,
poucos conheçam esse poeta e jornalista argentino, 78 anos, uma extraordinária figura humana.
Gelman teve a penosa honra de
ter sido condenado à morte duas
vezes, por entidades opostas, aliás.
Em ambos os casos, por olhar para
os fatos e dizer que os fatos eram
como eram.
Primeiro, pela ditadura argentina
do período 1976/83. Acusava-a de
praticar um autêntico genocídio, do
qual foi vítima direta.
Seu filho e sua nora "desapareceram" (foram seqüestrados e mortos). Sua neta, nascida durante o cativeiro dos pais, também esteve desaparecida até que o avô conseguiu
resgatá-la.
Depois, foi condenado à morte
pelo grupo "montoneros", a que
pertenceu. Por dizer que a luta armada a que se dedicavam estava
perdida -e estava.
O exílio (no México) impediu,
provavelmente, que ambas as sentenças fossem executadas, para o
bem de quem acredita na vida, na
vida civilizada, quero dizer.
Ao receber o prêmio, Gelman fez
um comício contra apagar-se o passado. "Dizem que não há que remover o passado, que não há que ter
olhos na nuca, que é preciso olhar
para a frente e não encarniçar-se
em abrir velhas feridas. (...) As feridas não estão fechadas. Latejam no
subsolo da sociedade como um câncer sem sossego. Seu único tratamento é a verdade. E, em seguida, a
justiça. Só assim é possível o olvido
verdadeiro."
Mas a melhor parte do discurso
foi a defesa da poesia, "nestes tempos de penúria". Perguntou, citando o poeta alemão Friedrich Hölderlin (1770-1843), para que serve a
poesia, "em um mundo em que a cada três segundos e meio morre uma
criança de menos de cinco anos de
enfermidades curáveis, de fome, de
pobreza?". Respondeu: "Aí entra a
poesia: de pé contra a morte".
crossi@uol.com.br
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